São Paulo, domingo, 13 de março de 2011

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MARCELO NINIO

O tsunami

Não é qualquer acontecimento externo que consegue parar uma guerra civil. Por um momento, o terremoto no Japão deu a impressão de chegar perto disso, quando as cenas de horror chegaram à TV e hipnotizaram os rebeldes que lutam há mais de três semanas contra o ditador Muamar Gaddafi no leste da Líbia. Enquanto observava as ondas gigantes varrerem casas e carros como se fossem de brinquedo, um deles, fuzil AK-47 no ombro, não pôde evitar um comentário sombrio: "Nosso tsunami está voltando".
A expressão de pessimismo é rara entre os insurgentes, que mantêm os dedos em V de vitória e os insultos ao ditador. Admitir a possibilidade de derrota é um ato imperdoável de covardia, ou pior, traição.
Mas, diante da brutal contraofensiva de Gaddafi e da prolongada inércia do mundo, o retorno ao "status quo ante" é uma realidade que muitos começam a vislumbrar, mesmo que só com seus botões.
O clima de euforia de apenas uma semana atrás mudou drasticamente. A nova Líbia, que trocou de bandeira e liderança, sente na nuca o bafo quente da velha Líbia.
Na dúvida, alguns optaram por moderar o discurso anti-Gaddafi ou simplesmente manter a boca fechada. A paranoia de ser denunciado por um vizinho à polícia secreta do ditador, que parecia aniquilada para sempre, voltou ao DNA dos líbios. Mas os que pegaram em armas ou assumiram posições na liderança rebelde, como se ocupassem pastas de um futuro governo, foram longe demais para admitir uma rendição. Gaddafi prometeu um banho de sangue caso a revolta continuasse. A maioria dos rebeldes parece disposta ao sacrifício. Com as forças do ditador ganhando terreno, a hora da verdade de uma intervenção estrangeira se aproxima.
No leste, o território é dos rebeldes, mas o céu e o mar são de Gaddafi. Uma zona de exclusão aérea e marítima seria o primeiro passo para intimidar o ditador e impedir que ele continue a cometer crimes de guerra contra a população.
No começo dos protestos, quando a revolução ainda não se transformara em guerra civil, Gaddafi alertou que não era Mubarak, o ditador egípcio que foi convencido pelo Exército a renunciar. A diferença é clara: na Líbia o comando militar está nas mãos dos filhos de Gaddafi, ao estilo de liderança tribal que caracteriza o país. Uma saída diplomática a esta altura parece tão improvável quanto imoral. Uma ação militar externa tornou-se indispensável e urgente.
Ao contrário do que ocorreu no Japão, o tsunami de Gaddafi pode ser contido. Inclusive para que o fenômeno não se irradie pela região. Sem uma ação decisiva e coordenada das grandes potências, Gaddafi mostrará aos outros ditadores da vizinhança que o uso da força funciona.

MARCELO NINIO é o correspondente da Folha no Oriente Médio


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