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A memória e o ceticismo
CLÓVIS ROSSI
Paris - Quem acha que experiência é
uma ferramenta formidável para
qualquer trabalhador não deve conhecer direito a profissão de repórter.
Trinta e seis anos no ramo só me
trouxeram dois problemas:
1 - A condição física (ah, o maldito
cigarro) já não me permite correr
atrás, com o mesmo ímpeto, da moçada que é naturalmente maioria neste
como em outros ofícios;
2 - Mas a memória, em contrapartida, alcança longe e, por isso mesmo,
faz soar carrilhões de alerta em dados
momentos.
Ontem, por exemplo, um grupo de
três ou quatro veteranos fazíamos
plantão (mais um, aliás) na embaixada brasileira em Paris (ao menos, é
Paris), à espera do ministro Pedro
Malan, reunido com banqueiros.
Os nomes que estão em circulação
no noticiário sobre a crise brasileira
de 99 são, em muitos casos, os mesmos,
literalmente os mesmos, de outras crises, uma delas velha de 20 anos.
Bill Rhodes, por exemplo, o vice-presidente do Citibank, que parece o eterno coordenador de negociações financeiras envolvendo o Brasil. Ou Jacques
de Laroisiére, hoje conselheiro do banco francês Paribas, antes (e, aqui, talvez a memória falhe) diretor-geral do
Fundo Monetário Internacional.
Aliás, Paribas (como credor) e FMI
(como monitor) eram igualmente personagens dos tempos de antanho, em
que o hoje deputado Delfim Netto, então ministro da Fazenda, praticava o
mesmo esporte a que agora se dedica
Malan, de resto ele também um veterano nessa história de negociações
com a banca e com o FMI.
Hoje como há quase 20 anos (a crise
da dívida mais falada foi em 1982),
falava-se de cartas de intenções que
não eram cumpridas, para que tudo
começasse de novo.
Para que serve então a experiência?
No caso de um país como o Brasil, serve apenas como régia buchada de bode para alimentar o ceticismo. O pior
é que o passo seguinte é o cinismo.
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