São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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A memória e o ceticismo

CLÓVIS ROSSI

Paris - Quem acha que experiência é uma ferramenta formidável para qualquer trabalhador não deve conhecer direito a profissão de repórter.
Trinta e seis anos no ramo só me trouxeram dois problemas:
1 - A condição física (ah, o maldito cigarro) já não me permite correr atrás, com o mesmo ímpeto, da moçada que é naturalmente maioria neste como em outros ofícios;
2 - Mas a memória, em contrapartida, alcança longe e, por isso mesmo, faz soar carrilhões de alerta em dados momentos.
Ontem, por exemplo, um grupo de três ou quatro veteranos fazíamos plantão (mais um, aliás) na embaixada brasileira em Paris (ao menos, é Paris), à espera do ministro Pedro Malan, reunido com banqueiros.
Os nomes que estão em circulação no noticiário sobre a crise brasileira de 99 são, em muitos casos, os mesmos, literalmente os mesmos, de outras crises, uma delas velha de 20 anos.
Bill Rhodes, por exemplo, o vice-presidente do Citibank, que parece o eterno coordenador de negociações financeiras envolvendo o Brasil. Ou Jacques de Laroisiére, hoje conselheiro do banco francês Paribas, antes (e, aqui, talvez a memória falhe) diretor-geral do Fundo Monetário Internacional.
Aliás, Paribas (como credor) e FMI (como monitor) eram igualmente personagens dos tempos de antanho, em que o hoje deputado Delfim Netto, então ministro da Fazenda, praticava o mesmo esporte a que agora se dedica Malan, de resto ele também um veterano nessa história de negociações com a banca e com o FMI.
Hoje como há quase 20 anos (a crise da dívida mais falada foi em 1982), falava-se de cartas de intenções que não eram cumpridas, para que tudo começasse de novo.
Para que serve então a experiência? No caso de um país como o Brasil, serve apenas como régia buchada de bode para alimentar o ceticismo. O pior é que o passo seguinte é o cinismo.


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