São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Nada a perder

RIO DE JANEIRO - O episódio foi na semana passada, em Copacabana. Um assaltante, encontrando resistência no dono do apartamento invadido, fugiu pela avenida Atlântica, atirou a esmo pela rua, matou um homem que bebia cerveja num bar da calçada, feriu um guarda e foi morto quando tentava fugir num táxi.
Fiquei mais impressionado com este incidente do que com as chacinas que proliferam por aí, no Rio e em outros Estados e cidades. O caso da avenida Atlântica não pode ser atribuído ao crime organizado, ao tráfico, à corrupção policial. Foi um fato isolado na medida em que envolveu somente um bandido, sem capangas, sem infra-estrutura do crime.
Ele tinha apenas uma arma e a vontade de assaltar um apartamento que ele considerava de luxo e no qual podia roubar dinheiro e jóias. Não contava com a reação do dono, que não devia ter sido lá essas coisas, somente não se submeteu placidamente ao assalto, o que foi o bastante para fazê-lo desistir e tentar fugir.
O resto seguiu o figurino: troca de tiros, uma vítima fatal de bala perdida, gente ferida e o bandido morto. Tudo à luz do dia, diante da parcela da sociedade ordeira que serviu de cenário para o episódio.
Como explicar a audácia e o cálculo furado do bandido, crente que sozinho, com uma arma na mão, era senhor da vida e da morte de suas vítimas? A explicação possível é que ele, como milhares de marginais que vivem em nosso meio, nada têm a perder. Já cometeram outros crimes, foram presos, fugiram ou, cumprida a pena, voltaram para as ruas, sem qualquer perspectiva de tentar uma vida normal.
Alguns se organizam no crime dito organizado. Outros começam a atuar como frilas, bandidos artesanais que precisam viver e para viver precisam matar. Se derem azar, morrem. Se não derem, matam e sobrevivem por mais um tempo, sem qualquer idéia de regeneração na cabeça e sempre com uma arma na mão.


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