São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

Fogo sobre o Irã

Na fronteira oriental, o Afeganistão. Na fronteira ocidental, o Iraque. No raio de alcance de mísseis intermediários, Israel. São dois países ocupados pelos EUA e um inimigo regional que é uma potência nuclear "clandestina". O programa nuclear do Irã é uma prioridade de Estado, não uma criação da mente ensandecida do seu atual presidente. Os EUA, que acabam de admitir a Índia como potência nuclear "oficial", preparam a guerra contra o Irã. Ao menos, essa é a mensagem de um artigo do jornalista Seymour Hersh, publicado no site da revista "New Yorker" e baseado em fontes anônimas do Pentágono e da CIA.
Segundo Hersh, a ofensiva combinará pesados bombardeios aéreos com ações de comandos infiltrados e os objetivos táticos abrangem a destruição de instalações nucleares subterrâneas, fábricas químicas, silos de mísseis, aeródromos e submarinos. O planejamento prevê, como hipótese operacional, o uso de armas nucleares anti-bunker. A meta estratégica é a mudança de regime. Equipes de operações especiais já atuam em território iraniano.
As fontes do artigo são, possivelmente, oficiais e agentes contrários à nova guerra, que revelam segredos para alertar a opinião pública. Alternativamente, essas fontes obedecem ao comando da Casa Branca e montam um cenário destinado a pressionar o Irã. Num caso ou no outro, há exagero, mas não invenção.
A guerra contra o Irã não estava escrita no programa original de Bush, como sugere uma fonte de Hersh, mas entrou no horizonte estratégico desde o discurso do "eixo do mal", em janeiro de 2002. Hoje, a geopolítica do Oriente Médio e a crise doméstica da administração Bush a tornam quase inevitável.
O fracasso no Iraque exige o início da retirada das tropas de ocupação em 2007. O regime xiita iraquiano, ameaçado pela guerra civil, dependerá cada vez mais do apoio do Irã. No fim da Guerra do Golfo de 1991, Bush sênior preservou Saddam Hussein para evitar que o Irã projetasse uma influência dominante sobre o Iraque e seus campos de petróleo. Bush júnior decidiu derrubar Saddam Hussein, condenando-se a desdobrar a guerra no Irã.
No 11 de setembro de 2001, os neoconservadores encontraram a oportunidade histórica de submeter a política global dos EUA ao seu sonho missionário de "reforma do mundo". Agora, o caos iraquiano ameaça soterrar o sonho e expelir os ideólogos radicais para a periferia do pensamento político americano. A guerra contra o Irã reuniria de novo a nação em torno de Bush, restaurando o edifício arruinado da coalizão republicana que o sustenta.
O artigo de Hersh foi recebido com ceticismo, pois há razoável consenso nas avaliações de que a invasão do Irã é uma impossibilidade militar e de que a ofensiva americana alastraria o incêndio pelo Oriente Médio, demolindo o que resta da unidade do Iraque e convulsionando a Palestina e o Líbano. Nada disso sensibiliza os neoconservadores: eles acalentam a utopia de que os bombardeios americanos seriam a fagulha de um levante popular contra o regime de Teerã.
No seu segundo discurso inaugural, Bush proclamou o início de uma nova era: "Os interesses vitais dos Estados Unidos e as nossas mais profundas crenças agora se confundem". Ninguém deveria subestimar o fanatismo dos ideólogos. No seu mundo singular, fogo significa purificação.


Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br


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