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DEMÉTRIO MAGNOLI
Fogo sobre o Irã
Na fronteira oriental, o Afeganistão. Na fronteira ocidental, o
Iraque. No raio de alcance de mísseis
intermediários, Israel. São dois países
ocupados pelos EUA e um inimigo regional que é uma potência nuclear
"clandestina". O programa nuclear do
Irã é uma prioridade de Estado, não
uma criação da mente ensandecida do
seu atual presidente. Os EUA, que acabam de admitir a Índia como potência
nuclear "oficial", preparam a guerra
contra o Irã. Ao menos, essa é a mensagem de um artigo do jornalista Seymour Hersh, publicado no site da revista "New Yorker" e baseado em fontes anônimas do Pentágono e da CIA.
Segundo Hersh, a ofensiva combinará pesados bombardeios aéreos
com ações de comandos infiltrados e
os objetivos táticos abrangem a destruição de instalações nucleares subterrâneas, fábricas químicas, silos de
mísseis, aeródromos e submarinos. O
planejamento prevê, como hipótese
operacional, o uso de armas nucleares
anti-bunker. A meta estratégica é a
mudança de regime. Equipes de operações especiais já atuam em território
iraniano.
As fontes do artigo são, possivelmente, oficiais e agentes contrários à
nova guerra, que revelam segredos
para alertar a opinião pública. Alternativamente, essas fontes obedecem
ao comando da Casa Branca e montam um cenário destinado a pressionar o Irã. Num caso ou no outro, há
exagero, mas não invenção.
A guerra contra o Irã não estava escrita no programa original de Bush,
como sugere uma fonte de Hersh, mas
entrou no horizonte estratégico desde
o discurso do "eixo do mal", em janeiro de 2002. Hoje, a geopolítica do
Oriente Médio e a crise doméstica da
administração Bush a tornam quase
inevitável.
O fracasso no Iraque exige o início
da retirada das tropas de ocupação em
2007. O regime xiita iraquiano, ameaçado pela guerra civil, dependerá cada
vez mais do apoio do Irã. No fim da
Guerra do Golfo de 1991, Bush sênior
preservou Saddam Hussein para evitar que o Irã projetasse uma influência
dominante sobre o Iraque e seus campos de petróleo. Bush júnior decidiu
derrubar Saddam Hussein, condenando-se a desdobrar a guerra no Irã.
No 11 de setembro de 2001, os neoconservadores encontraram a oportunidade histórica de submeter a política global dos EUA ao seu sonho missionário de "reforma do mundo".
Agora, o caos iraquiano ameaça soterrar o sonho e expelir os ideólogos radicais para a periferia do pensamento
político americano. A guerra contra o
Irã reuniria de novo a nação em torno
de Bush, restaurando o edifício arruinado da coalizão republicana que o
sustenta.
O artigo de Hersh foi recebido com
ceticismo, pois há razoável consenso
nas avaliações de que a invasão do Irã
é uma impossibilidade militar e de
que a ofensiva americana alastraria o
incêndio pelo Oriente Médio, demolindo o que resta da unidade do Iraque
e convulsionando a Palestina e o Líbano. Nada disso sensibiliza os neoconservadores: eles acalentam a utopia de
que os bombardeios americanos seriam a fagulha de um levante popular
contra o regime de Teerã.
No seu segundo discurso inaugural,
Bush proclamou o início de uma nova
era: "Os interesses vitais dos Estados
Unidos e as nossas mais profundas
crenças agora se confundem". Ninguém deveria subestimar o fanatismo
dos ideólogos. No seu mundo singular, fogo significa purificação.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br
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