São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O impeachment necessário

AUGUSTO DE FRANCO

As oposições não querem. Antes, também não queriam. Agora, porque está muito perto das eleições. Antes, porque estava muito longe. Estão doidas para fazer campanha e avaliam que esse tema pode até atrapalhar os preparativos e a arrumação dos palanques. Tudo desculpa: é puro medo (de serem acusadas de golpismo), eleitoralismo (que confunde a popularidade de Lula com a sua legitimidade) e, no fundo, falta de compreensão do valor estratégico da democracia.


Não basta vencer Lula eleitoralmente. É preciso derrotar as concepções e as práticas que refletem o seu projeto de poder


Eu sei. Nós sabemos. Mas, a rigor, não há como não iniciar um movimento pelo impeachment de Lula. Por quê? Por um simples motivo: porque Lula é o responsável pelo que está acontecendo, na medida em que nada fez para apurar os crimes de seus subordinados e punir os culpados. Deixou correr solta a bandidagem, banalizando o mal cometido por uma verdadeira quadrilha formada dentro do seu governo.
E a coisa chegou a tal ponto que está desconstituindo as instituições republicanas. Mesmo que Alckmin vença o pleito -o que é muito incerto-, mesmo assim, o prejuízo será irrecuperável no curto e no médio prazos.
Se forem dados a este governo mais nove meses de vida sem contestação ético-política da sua legitimidade, mesmo que Lula naufrague nas urnas, o processo corrosivo avançará.
Os oposicionistas que jogam água fria na conversa do impeachment dizem que a vida é assim mesmo, usando, por um lado, argumentos de sociologia política (baseados na análise das tais condições desfavoráveis, como se isso fosse ciência), e, por outro lado, aforismos retirados do livro bíblico da sabedoria: tudo passa, isso também passará. Com um novo presidente, teríamos novo céu e nova terra, e se recomporia rapidamente o tecido institucional (quer dizer, como num passe de mágica, o Congresso readquiriria sentido público, os tribunais superiores deixariam de ser defensorias do poder e a máquina administrativa, hoje inteiramente aparelhada, renasceria íntegra das cinzas).
Ora, quatro anos de infestação partidária, de alteração degenerativa do corpo e do metabolismo das instituições públicas e de perversão da política não podem ser consertados em pouco tempo, a não ser que haja uma ruptura contundente com as práticas anteriores, simbolizada pela punição e execração pública dos culpados por tantos delitos.
Ou seja, o ganhador da loteria eleitoral, mesmo que seja Alckmin, sobretudo depois de ter sobrevivido a mil e uma denúncias do PT (e elas virão como avalanche, aguardem), não poderá contar com alta dose de confiança. A credibilidade da "classe política" foi derruída a um ponto tal -pelas práticas lulo-petistas e pela sua linha tática de defesa, ao disseminar a idéia de que todos são iguais no crime- que não há volta fácil. Não será trivial fazer o povo confiar novamente nas instituições da nossa democracia representativa.
Ademais, permanecendo impune, a quadrilha que se organizou no governo para assaltar o Estado brasileiro e falsificar o processo democrático continuará atuando (nos Estados e prefeituras eventualmente conquistados, nas organizações da sociedade aparelhadas, nos sindicatos e movimentos sociais que funcionam como linha auxiliar do partido) e infernizando a vida do vencedor. Darão o troco, fazendo aquilo que a oposição atual -tendo a lei do seu lado- não quis fazer por falta de coragem e de visão. Ou seja, arrumarão falsos pretextos para desestabilizar o novo governo.
Esse é o motivo pelo qual não basta vencer Lula eleitoralmente. É necessário derrotá-lo politicamente, quer dizer, derrotar as concepções e as práticas que refletem o seu projeto de poder. Só um movimento pelo impeachment teria força simbólica para sinalizar, para o conjunto da população, que o país mudou. Ocorreria algo semelhante àquele alto-astral que sucedeu ao impeachment de Collor, quando as pessoas começaram de novo a acreditar no Brasil, lavando a alma ao limpar o país da lama collorida.
O impeachment seria a melhor solução democrática, inclusive porque a menos traumática no médio prazo. Não havendo o impeachment -ou, que seja, ao menos um movimento pelo impeachment capaz de suscitar a emergência de uma opinião pública insurgente- e não havendo punição exemplar para os envolvidos, com a total defenestração dos aparelhadores do Estado, o próximo governo carregará, aí sim, uma herança maldita (porque autocrática) de proporções incalculáveis.
Isso, é claro, para não falar dos riscos da reeleição de um governante que, conquanto ainda tenha popularidade, não tem mais legitimidade. Deixá-lo concorrer nestas circunstâncias, promovê-lo a competidor legítimo depois de tê-lo poupado e mantido contra a lei e os bons costumes é um erro cuja conseqüência se abaterá sobre nós como uma bomba se, por acaso -o que não é difícil-, Lula tirar a sorte grande na loteria eleitoral que se avizinha.

Augusto de Franco, 55, é analista político do blog www.democracia.org.br e autor de, entre outros livros, "A Revolução do Local: Globalização, Glocalização, Localização" (2004). Foi membro do comitê executivo do Conselho da Comunidade Solidária no governo FHC (1995-2002).


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