São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2010

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Obama e a bomba

EUA fazem ofensiva para tentar reformar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, mas enfrentam resistências legítimas

DEVE SER vista com cautela a recente ofensiva do presidente dos EUA, Barack Obama, no âmbito da política nuclear.
Sucessivos lances diplomáticos nas últimas semanas foram apresentados pelos americanos como medidas exemplares, que reforçariam a autoridade moral do país na tentativa de conter o uso de material atômico para fins bélicos em todo o planeta.
Não obstante os aspectos positivos, a eficácia de tais medidas é questionável -bem como as motivações que as produziram.
O primeiro movimento veio na forma de um acordo com a Rússia para a redução do arsenal atômico dos dois países, que deverá ser limitado a 1.550 ogivas com capacidade de alcance intercontinental, em sete anos. Os norte-americanos detêm atualmente cerca de 2.200 artefatos deste tipo, e os russos, 2.800.
Em seguida, os EUA anunciaram a revisão de sua política nuclear, ao detalhar os cenários em que se considerariam no direito de utilizar armas atômicas. Ficariam protegidas desta ameaça as nações signatárias do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear) e de outros acordos internacionais sobre o tema.
O país também lidera a cúpula de 47 nações reunidas ontem e hoje, em Washington, com o objetivo declarado de evitar o risco de terroristas fazerem uso de artefatos atômicos.
As iniciativas buscam conferir mais legitimidade aos esforços para limitar o acesso aos meios de fabricação da bomba por um número maior de países. Obama diz desejar que outras nações sigam o exemplo e "assumam suas próprias responsabilidades".
Há margem, nos moldes atuais do TNP, para que seus signatários atinjam o limiar de produção da bomba sem desrespeitá-lo. Daí que a ofensiva dos EUA vise a reformar o tratado, tornando-o mais restritivo, na próxima reunião quinquenal de revisão de seus termos, em maio. As medidas de Obama, todavia, não bastam para que isso aconteça.
Falta-lhes poder de convencimento. O tratado, embora necessário, é reconhecidamente injusto, pois "congela" a divisão entre países detentores de armas nucleares e os demais, que renunciam a essa tecnologia militar. Torná-lo mais rigoroso, ameaçando a própria pesquisa para fins pacíficos, enfrentará legítimas resistências, ainda mais quando o exemplo americano mostra-se insuficiente.
Mesmo se for bem sucedido, o acordo com a Rússia manterá os dois países com gigantesco arsenal atômico. A revisão da política dos EUA sobre ataques nucleares traz implícita a ameaça a países que Washington considera, por seus próprios critérios, violadores do TNP -caso do Irã. E, ademais, o risco terrorista depende do acesso a tecnologias que apenas as potências atômicas detêm.
Livrar a humanidade das armas nucleares é um objetivo louvável. Mas não se vislumbra no horizonte um mundo no qual as potências sintam-se encorajadas a renunciar a seu poderio e as nações que hoje se consideram ameaçadas vejam-se desestimuladas a produzir a bomba.


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