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Obama e a bomba
EUA fazem ofensiva para tentar reformar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, mas enfrentam resistências legítimas
DEVE SER vista com cautela a recente ofensiva
do presidente dos
EUA, Barack Obama,
no âmbito da política nuclear.
Sucessivos lances diplomáticos nas últimas semanas foram
apresentados pelos americanos
como medidas exemplares, que
reforçariam a autoridade moral
do país na tentativa de conter o
uso de material atômico para
fins bélicos em todo o planeta.
Não obstante os aspectos positivos, a eficácia de tais medidas é
questionável -bem como as motivações que as produziram.
O primeiro movimento veio na
forma de um acordo com a Rússia para a redução do arsenal atômico dos dois países, que deverá
ser limitado a 1.550 ogivas com
capacidade de alcance intercontinental, em sete anos. Os norte-americanos detêm atualmente
cerca de 2.200 artefatos deste tipo, e os russos, 2.800.
Em seguida, os EUA anunciaram a revisão de sua política nuclear, ao detalhar os cenários em
que se considerariam no direito
de utilizar armas atômicas. Ficariam protegidas desta ameaça as
nações signatárias do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear) e de outros acordos internacionais sobre o tema.
O país também lidera a cúpula
de 47 nações reunidas ontem e
hoje, em Washington, com o objetivo declarado de evitar o risco
de terroristas fazerem uso de artefatos atômicos.
As iniciativas buscam conferir
mais legitimidade aos esforços
para limitar o acesso aos meios
de fabricação da bomba por um
número maior de países. Obama
diz desejar que outras nações sigam o exemplo e "assumam suas
próprias responsabilidades".
Há margem, nos moldes atuais
do TNP, para que seus signatários atinjam o limiar de produção da bomba sem desrespeitá-lo. Daí que a ofensiva dos EUA vise a reformar o tratado, tornando-o mais restritivo, na próxima
reunião quinquenal de revisão
de seus termos, em maio. As medidas de Obama, todavia, não
bastam para que isso aconteça.
Falta-lhes poder de convencimento. O tratado, embora necessário, é reconhecidamente injusto, pois "congela" a divisão entre
países detentores de armas nucleares e os demais, que renunciam a essa tecnologia militar.
Torná-lo mais rigoroso, ameaçando a própria pesquisa para
fins pacíficos, enfrentará legítimas resistências, ainda mais
quando o exemplo americano
mostra-se insuficiente.
Mesmo se for bem sucedido, o
acordo com a Rússia manterá os
dois países com gigantesco arsenal atômico. A revisão da política
dos EUA sobre ataques nucleares traz implícita a ameaça a países que Washington considera,
por seus próprios critérios, violadores do TNP -caso do Irã. E,
ademais, o risco terrorista depende do acesso a tecnologias
que apenas as potências atômicas detêm.
Livrar a humanidade das armas nucleares é um objetivo louvável. Mas não se vislumbra no
horizonte um mundo no qual as
potências sintam-se encorajadas
a renunciar a seu poderio e as nações que hoje se consideram
ameaçadas vejam-se desestimuladas a produzir a bomba.
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