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São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por uma SBPC com maior atuação social

RENATO JANINE RIBEIRO

Aceitei ser candidato a presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) porque acredito no papel social da ciência e do conhecimento -papel esse que, num país com as nossas desigualdades, é decisivo. Não podemos pesquisar sem levar em conta nossa responsabilidade social. Numa sociedade mais justa, sem miséria ou devastação ambiental, poderíamos pensar só por pensar. Aqui, não.
Mas isso não significa atrelar a ciência à política, menos ainda à política partidária. É como cientistas que melhor podemos contribuir para o avanço do país. Não podemos abrir mão da qualidade da pesquisa. Por isso a SBPC deve ter o perfil de uma sociedade de cientistas, isto é, de pesquisadores. Ela é o braço político da ciência brasileira. Podemos nos filiar a sociedades científicas de outros perfis, como sociólogos, físicos ou biólogos, mas nossa voz é mais forte ante o governo ou a sociedade quando estamos unidos na SBPC. Falamos, então, não só pela ciência, mas pela presença da ciência na sociedade.
A SBPC esteve presente em grandes momentos de nossa história, lutando pela democracia e contra a corrupção. São cartuchos preciosos. Não devemos apoiar governos nem nos opor a eles, salvo em situações excepcionais. Mas não somos uma agremiação de recorte partidário nem de discussões apenas técnicas. Penso que nosso papel está no difícil, porém necessário, encontro do campo científico com o político. Uma das missões de nossa sociedade, a SBPC, é garantir a soberania de nossa sociedade (a brasileira), a capacidade do povo brasileiro de decidir seu futuro, num mundo em que as independências estão ameaçadas. Mas só podemos assegurar isso com base em nossa capacidade científica. Para tanto, a SBPC deve ampliar sua voz.
No aparelho de Estado, ela não deve falar só com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Sim, ela deve defender a pesquisa no seu fórum mais específico. Mas também tem muito a dizer sobre a educação, em especial para defender a escola pública e a cultura. Se eu for eleito, formaremos grupos que promovam, com os ministérios da Educação e da Cultura, um diálogo permanente e construtivo, que não se limite a apagar incêndios, mas construa um futuro.


Podemos mostrar que a ciência melhora a vida das pessoas. Mas isso exige uma mudança de postura política


O principal, porém, é desestatizar a nossa fala. Deveremos conversar cada vez mais com a sociedade. A grande batalha dos próximos anos é a da opinião pública e social. Gosto de perguntar às pessoas quanto do que vestem vem da pesquisa científica mais recente. É quase tudo! Nossos corpos estão cobertos de tecnologias novas. E as humanidades geram algo análogo à tecnologia: embora a democracia que construímos seja fruto de lutas sociais, o que deu e dá linguagem aos grupos democráticos é o discurso das ciências humanas. Podemos nos orgulhar dessa aplicação prática e ampliá-la.
Numa democracia, a percepção social da importância das ciências é decisiva. Podemos mostrar que a ciência melhora a vida das pessoas. Mas isso exige uma mudança de postura política. Já escrevi que a política pública para a cultura não pode depender só dos artistas. Ou as pessoas descobrem que precisam de arte para viver, ou a cultura sempre terá um papel menor, um orçamento pequeno. O mesmo vale para a ciência. É preciso que a opinião pública e social nos respalde. Só ela legitimará nosso papel social.
Por isso devemos, os cientistas de todas as áreas, nos perguntar o que temos a dizer à sociedade. Não podemos esperar que a mídia e o governo nos procurem. As faculdades de medicina poderiam fazer dezenas de vinhetas para a TV, com sugestões para a saúde, nos moldes da campanha contra a desidratação infantil. Conclamo a comunidade científica a debater o que acha relevante transmitir à população e a fazê-lo. Assim poderemos transformar as carências do Brasil, que nos envergonham, numa oportunidade: a chance de que a ciência tenha, na construção de uma sociedade democrática, justa e sem miséria, um papel maior do que teve até mesmo em outros países.
Finalmente: vivemos uma enorme demanda, por parte da sociedade brasileira, de conhecimento de boa qualidade. Poucos sabem que no Brasil a universidade é mais chamada a opinar nos jornais do que na França ou nos EUA. E temos cada vez mais sites, ONGs e empresas querendo levar o conhecimento a interessados de toda a espécie. Conhecimento traz poder. Se o acesso a ele for só negócio, reforçará a desigualdade e o privilégio. É fundamental assegurar que esse acesso constitua um direito, para que ajude a formar uma República de iguais. Hoje esse é o maior desafio para quem lida com o pensamento.
Aqui, a SBPC pode equilibrar os pratos da balança. Se, além da demanda que nos vem do poder econômico ou estatal, soubermos o que queremos passar à sociedade, seremos mais fortes para decidir o que a ciência pode trazer de bom para todos. Esse é o melhor meio de fortalecer nossa comunidade científica. E é a chave para fortalecer a SBPC e dar-lhe um novo papel. Além disso, sendo a SBPC a representação política da nossa ciência, ela é a entidade mais capaz de lutar para que o conhecimento seja um direito. Isso as empresas não vão fazer. E o governo não fará tão bem quanto a SBPC, porque ela é pública sem ser estatal. Esse papel será dela ou de ninguém.
A agenda que proponho não se implantará de um dia para o outro. Exigirá trabalho. Por isso não peço só o voto, mas o debate e a participação. O que pretendemos é uma mudança nas idéias e nas práticas. É hora de começar.

Renato Janine Ribeiro, 53, professor titular de ética e filosofia política na USP, é candidato à Presidência da SBPC.

Site: www.janine-na-sbpc.com.br


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