São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Marx, Engels e a vaca de Sarandi
RUY ALTENFELDER
Em contrapartida à incapacidade do Estado, desenvolve-se de forma muito fértil a cidadania empresarial e o voluntariado. Em todo o mundo, no universo do chamado terceiro setor, pessoas de boa vontade, empresas, fundações, institutos privados e ONGs tornaram-se atores vitais na promoção social. Atuando de forma complementar ao Estado, realizam eficazes programas de saúde, educação, cultura, esportes, reintegração social e iniciação profissional. Essas organizações estão mais próximas da realidade das ruas e dos problemas da comunidade, focando de maneira mais precisa as questões a serem sanadas. Além disso, têm o paradigma empresarial do compromisso com resultados. O Estado, além da carência de recursos em relação ao tamanho da demanda social, continua patinando em equívocos do passado, mantendo programas superpostos e, o que é pior, nem sempre adequados à realidade nacional e/ou às peculiaridades de uma região ou cidade. Repete, assim, o erro de se distanciar da realidade, ignorando as duras lições que brotaram dos escombros do socialismo. No Brasil ainda é muito evidente a dificuldade estatal de diagnosticar amplamente os problemas sociais a serem atacados. A começar pelos números. O ex-presidente Fernando Henrique, sempre preocupado com a questão social, reclamava dos números do IBGE (23 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria). O PT, então na oposição, indicava haver 54 milhões de indigentes. Agora, em menos de cinco meses do governo do presidente Lula, o número foi reduzido em 31 milhões de pessoas. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, admitiu publicamente, num gesto de transparência, que o número de brasileiros indigentes é, de fato, 23 milhões. Porém não basta ter números precisos. É preciso traduzi-los muito além das estatísticas e compreender a realidade. Nesse aspecto, a contribuição da sociedade, além das ações do terceiro setor, também é preciosa para o diagnóstico mais preciso dos quadros sociais. Para isso, porém, os programas sociais não podem ser elitistas e baseados simplesmente nos teoremas acadêmicos. Tampouco devem incorrer no risco do empirismo, pois os problemas são graves, urgentes e os recursos públicos, exíguos. É preciso auscultar a voz da sociedade, o medo das crianças abandonadas, o olhar interrogatório dos analfabetos, o clamor dos esfaimados... A mira na realidade é decisiva. Assim, o Fome Zero, a despeito de suas excelentes intenções, talvez ainda esteja dissociado de muitas realidades regionais e de estratégias e logísticas eficientes. De nada adianta propor soluções distantes da realidade. É preciso dar de comer a quem tem fome, educação aos incautos, dar remédio aos doentes, casa aos desabrigados... A palavra é foco, conforme demonstram as lições da dialética materialista e de episódios como o da pobre vaca de Sarandi. Ruy Martins Altenfelder Silva, 63, advogado, é presidente do Instituto Roberto Simonsen. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (governo Alckmin). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Renato Janine Ribeiro: Por uma SBPC com maior atuação social Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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