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CLÓVIS ROSSI
Pouco sério
VIENA - A grande maioria dos jornalistas brasileiros com os quais conversei anteontem a respeito da entrevista do presidente boliviano, Evo Morales, saiu com a mesma impressão
minha: trata-se de uma pessoa articulada, que diz as coisas com começo,
meio e fim.
Pode-se discordar do começo, ou do
meio, ou do fim, ou de tudo do começo ao fim, mas há uma lógica interna
em cada ponto que ele defendeu (menos na questão da venda do agora
Estado do Acre ao Brasil, pelo qual a
Bolívia teria recebido apenas o preço
de um cavalo; foi muito, mas muito
mais).
Toda essa lógica desabou fragorosamente na noite de ontem, quando
ele voltou a falar aos jornalistas para
desdizer o que dissera na véspera e,
ainda por cima, recorrer a um truque
que já não cola mais: o de que tudo
não passou de "tergiversação" da mídia para jogá-lo contra seu "companheiro" Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula sabe perfeitamente que não é
assim. Ouviu a fita gravada durante
a entrevista de Evo.
Não se trata, pois, de preconceito de
ideologia, de classe, de etnia, de qualquer natureza. Trata-se, simplesmente, de que não é sério dizer uma
coisa em um dia e desmenti-la de cabo a rabo no dia seguinte. Não é sério, como faz questão de assinalar o
governo brasileiro, assinar papéis
que dizem uma coisa num dado dia e
dizer exatamente o contrário dias depois.
É nessas horas que até entendo Lula quando ele parece demonstrar
muito mais irritação com a esquerda,
da qual é originário (ainda que uma
esquerda jamais perfeitamente definida), do que com o centro ou a direita, apesar das insinuações de conspiração contra ele (uma rematada tolice, mas tem gente que acredita em tolices com extrema facilidade).
Quando Evo diz que os contratos de
empresas como a Petrobras não foram rompidos, porque eram "ilegais
e inconstitucionais", você pode concordar ou discordar. Mas como é que
você pode concordar com alguém que
diz uma coisa num dia e outra inversa no dia seguinte?
@ - crossi@uol.com.br
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