São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Bento 16 no Brasil

É obrigação do governo brasileiro repudiar, como fez, os pleitos que ferem a separação total entre o Estado e a igreja no Brasil

O BRASIL É UM PAÍS que a Igreja Católica ajudou a formar. Além de ser a maior nação católica do mundo, os católicos continuam a ser ampla maioria na população brasileira. Bastariam essas evidências para justificar a importância da visita do papa Bento 16, assim como as atenções e o respeito devidos à figura do líder de tantos milhões de fiéis.
Marcada pelo simbolismo da proclamação do primeiro santo nascido no Brasil, frei Galvão, a visita propiciou a milhares de católicos ocasião para expressar seu júbilo pela vinda do papa ao continente americano. Bento 16 deu a conhecer aspectos humanos de sua personalidade, mas sobretudo reforçou a orientação doutrinária da igreja.
Ao contrário, porém, das viagens de seu antecessor, quando o tom predominante pareceu ser de congraçamento, desta vez uma nota áspera de repreensão atravessou quase todas as mensagens papais. Se o presidente Lula teve o tato de evitar temas polêmicos nos encontros públicos, Sua Santidade fez questão de ressaltar os pontos mais controvertidos da orientação emanada do Vaticano.
O rol é conhecido: divórcio, aborto, virgindade, camisinha. São, curiosamente, tópicos que remetem à temática sexual, ao desejo de restringir todo sexo ao âmbito de um único casamento com finalidade reprodutiva. Pesquisas de opinião pública divulgadas no início da visita do papa mostraram que parcelas expressivas dos católicos brasileiros não reconhecem a orientação oficial de sua igreja na maioria dessas matérias.
Com efeito, a vida moderna conferiu à dimensão sexual da experiência uma latitude muito maior do que o Vaticano está disposto a admitir, e assegurou uma ampla margem de opção, nas práticas consentidas entre adultos, como parte integrante dos direitos da pessoa humana.
Pouco antes de o mundo soviético desabar, João Paulo 2º tratou de corrigir o "desvio socialista" que vinha impregnando as bases da igreja, em especial na América Latina. Entregou ao sucessor uma videira desbastada dos ramos que se haviam emaranhado com o materialismo dialético.
Bento 16, tido por braço direito do antecessor, parece empenhado em levar a tarefa adiante. Subjugada a heresia do materialismo social, que se inspirava na salvação pela revolução, trata-se agora de combater "heresia" muito mais difundida: nada menos que o materialismo hedonista da nossa época, com seus tentáculos de longevidade, bem-estar e consumo.
O futuro dirá se a Igreja Católica passará a contar com fiéis menos numerosos, embora mais devotos, ou se o fosso entre a doutrina e a prática continuará a se alargar. Trata-se de questão privada, entre adeptos de uma religião e sua hierarquia interna.
O mesmo não se pode dizer das implicações públicas da política da igreja. Durante a visita, o governo brasileiro demonstrou ter noção de que, com todo o apreço pela relevância do catolicismo no país, cabe-lhe manter-se neutro em matéria religiosa. É sua obrigação repudiar, como diplomaticamente fez, os pleitos que ferem a separação completa entre Estado e igreja no Brasil.


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