São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mercosul, nosso destino comum

EDUARDO DUHALDE

Freqüentemente , empresários, analistas e profissionais me formulam a mesma e recorrente pergunta: para que serve o Mercosul?
O empresário, do seu ponto de vista legítimo, mas limitado aos seus próprios interesses, acha que deve aproveitar as vantagens competitivas de que dispõe e, em última instância, que "boi solto lambe-se todo", segundo diz o ditado. De imediato, se o seu ramo e a sua empresa são certamente competitivos, ele tem razão. Já outro empresário, que não conta com as mesmas vantagens e deve enfrentar a concorrência de poderosas empresas de países ou regiões mais desenvolvidas, terá um ponto de vista oposto.
Um e outro deverão compreender, entretanto, uma lei inexorável dos tempos atuais: não há possibilidade nenhuma de que um projeto seja exitoso para os nossos países de maneira isolada. O lema, hoje, considerado do ponto de vista dos interesses nacionais, é "integração ou impotência". A médio e longo prazo, abrir-se-á espaço para as vontades individuais.
Na verdade, nossas Repúblicas, por ricas em recursos humanos e naturais que sejam, não têm destino em um mundo que avança velozmente rumo a integrações cada vez maiores. De fato, em um período relativamente breve, os modos de relacionamento comercial e político dos países entre si sofreram uma mudança notável. Aos tradicionais vínculos bilaterais adicionaram-se as negociações em bloco, que tendem a possuir cada vez maior peso. O paradigma desse fenômeno de integração regional é a União Européia, que, em um processo de meio século, constituiu uma unidade sólida entre 25 países de culturas, línguas e passados diversos. Aos assuntos econômicos e comerciais adicionou questões políticas, sociais e culturais, até conformar uma verdadeira entidade supranacional. É esse o rumo que devemos seguir -e os países sul-americanos o estão seguindo.
Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai se propõem à consolidação do Mercosul, junto com o Chile, a Bolívia e o Peru, como países associados. A Comunidade Andina de Nações também fortalece os laços entre seus integrantes. E o desafio imediato, depois de se haver traçado as pautas de intercâmbio comercial entre ambos os blocos, é o de alcançar uma verdadeira união política que permita ao subcontinente manter posturas afins diante dos outros blocos e foros internacionais.


O lema, hoje, considerado do ponto de vista dos interesses nacionais, é "integração ou impotência"
Essa união sul-americana é o objetivo maior estabelecido na última cúpula presidencial do Mercosul, celebrada em Montevidéu, oportunidade em que se subscreveu o tratado de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina. A pergunta que toda a imprensa se formulou foi: essa unidade é para fazer frente às negociações da Alca. A resposta correta é que nossa união é o fruto de uma compreensão fundamental das democracias sul-americanas, qual seja, a de que não existe futuro na solidão. Nossa sorte está ligada à realização daquela idéia que Simón Bolívar denominava "uma nação de Repúblicas".
Esse é o núcleo da resposta à pergunta com a qual iniciei estas linhas (por que Mercosul?). Porque, de maneira isolada, nossos Estados nacionais não podem proteger seus empresários, pecuaristas, trabalhadores etc. da poderosa autoridade das potências. Exemplos disso são os subsídios agrícolas, o protecionismo, o estabelecimento de taxas de juros e outras questões que nos afetam e que não podemos combater isoladamente.
Nossos países desunidos dificilmente poderão se fazer ouvir pela maior potência mundial. Os Estados Unidos da América, por serem e se sentirem a maior nação do planeta, ignoraram sempre seus vizinhos continentais. O secretário de Estado, general Colin Powell, definiu com total clareza o espírito que anima seu país: "Nosso objetivo com a Alca é garantir para as empresas norte-americanas o controle de um território que vai do Ártico até a Antártida e o livre acesso, sem nenhum obstáculo ou dificuldade, aos nossos produtos, serviços, tecnologia e capital em todo o hemisfério". A maneira evidente de terminar com essa ausência de diálogo é mostrarmos posições e desejos comuns. Queremos a Alca, mas não a que define Powell.
Enquanto a Alca se demora por essas e outras razões, nossa missão de integração e busca de novos mercados avança nas negociações com a União Européia.
Nesse caso, a complexidade não é menor do que com a Alca, apesar de o processo se encontrar mais avançado e o conteúdo das ofertas que é manejado por ambos os blocos prometer ser benéfico para as duas partes. É muito animadora a recente oferta agrícola anunciada pela UE, que me fora ratificada pelo presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, em uma conversa que tivemos recentemente em Bruxelas.
É evidente que esses avanços significativos, de subscrever finalmente o tratado com a Europa em outubro, beneficiarão nossos produtores e trabalhadores. E isso se conquista somente com a união, graças à tarefa do Mercosul.
Nesse panorama, o Mercado Comum do Sul tem diante de si um caminho de possibilidades infinitas que lhe permitirá explorar toda a sua potencialidade. Mas os benefícios do processo de integração devem se projetar ao conjunto da sociedade dos Estados-membros, porque o Mercosul é uma "empresa comum" e, como tal, deve ser "sentida" por toda a população da região. Só dessa forma poderemos concretizar o destino manifesto que motiva nossa associação.

Eduardo Duhalde, 62, advogado, é o presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul. Foi presidente da República Argentina (2002-03).


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