São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2005

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Santas casas em perigo

ANTONIO BRITO

Em 1543 , surgia na cidade de Santos (SP) a primeira Santa Casa de Misericórdia do Brasil. Esse foi o início no Brasil da trajetória dessas entidades sociais, originárias de Portugal, país no qual, por iniciativa da rainha Leonor de Lencastre, em 15 de agosto de 1498, foi fundada a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa.
Os avanços dessas organizações não-governamentais nesses quase 500 anos se confundem com a própria história deste país com tantas riquezas naturais e carências sociais. Em seguida à fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos, vieram a de Salvador (BA), em 1549, a de Vitória (ES), em 1551, a do Rio de Janeiro (RJ), em 1553, e a de São Paulo (SP), em 1559. E, assim, foi sendo ampliado o número dessas entidades.
A criação das santas casas de misericórdia, voltadas para a promoção da saúde e da assistência social aos que dela necessitavam, estimulou o surgimento de outras instituições, como as beneficências portuguesas, espanholas e japonesas, além de hospitais beneficentes das comunidades sírio-libanesa e judaica, obras sociais ligadas a movimentos das igrejas católicas, evangélicas e espíritas, entre outras iniciativas sociais.
As entidades sobreviveram, inicialmente, com o apoio de doações advindas das sociedades locais, nas quais estavam inseridas. Dessa forma, atuaram pela realização de procedimentos médicos e sociais, prioritariamente a crianças, a idosos e a portadores de deficiências.
Atualmente, as santas casas de misericórdia e hospitais filantrópicos se espalham em todo o território nacional e perfazem cerca de 2.100 estabelecimentos de saúde, que, basicamente, sobrevivem da prestação de serviços ao SUS (Sistema Único de Saúde).


Se a conta não fecha, o resultado é a crise que ocorre no setor filantrópico de saúde do Brasil

Os números de atendimentos ao SUS, em sua maioria direcionados à população de baixa renda, são consideráveis. Basta observarmos que 39,9% das internações e 41% dos partos normais e cesarianas, por exemplo, são realizados pelo setor filantrópico de saúde. E, ainda, que esse setor é responsável pela geração de cerca de 450 mil empregos diretos, campo de trabalho para 140 mil médicos autônomos e a realização de 1,2 milhão de consultas ambulatoriais especializadas por mês.
É inegável a posição preferencial de parceria das santas casas e hospitais filantrópicos na promoção de ações de saúde e assistência social com os governos municipais, estaduais e federal, conforme, inclusive, previsto nos artigos 199 da Constituição Federal e 25 da lei nš 8.080/90.
Essa situação gera uma relação de interdependência entre o governo e essas instituições que deve se constituir em reconhecimento mútuo, do qual o grande beneficiário é a população brasileira.
Infelizmente, essa relação mostra-se em desequilíbrio, de forma tal que as santas casas e hospitais filantrópicos prestam serviços ao Sistema Único de Saúde e são remunerados por tabelas defasadas.
Ao longo dos últimos anos, as tabelas foram corrigidas sem que fosse acompanhado o crescimento dos custos hospitalares, a exemplo de dissídios coletivos, materiais e medicamentos, abastecimento de água e energia elétrica, entre outros.
Se a conta entre a receita oriunda dos serviços pagos pelo SUS e as despesas para manutenção da estrutura adequada para a sua prestação não fecha, ou melhor, fecha no vermelho, o resultado é justamente a crise no setor filantrópico de saúde que está ocorrendo de Norte a Sul do Brasil.
As tabelas do SUS precisam ser reajustadas, com brevidade, pelo governo federal, permitindo que os serviços prestados sejam remunerados com valores justos e adequados, e que os eventuais resultados possibilitem a essas entidades ampliar suas ações sociais, reinvestir na atualização tecnológica de equipamentos e infra-estrutura, além de capacitar de forma continuada seu corpo técnico e gerencial.
Faz-se necessário, portanto, que o governo federal, com o apoio do Congresso Nacional, altere e corrija o rumo dessa situação, aportando novos recursos financeiros ao SUS, sob pena de ocorrer o fechamento das santas casas e hospitais filantrópicos, com conseqüência direta e danosa para a sociedade. Principalmente aos menos favorecidos, que assistirão a história dessas entidades seculares irem chegando a um triste fim no Brasil.

ANTONIO BRITO, 38, é presidente da Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil. Foi presidente do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social).
@ - fedstas@cpunet.com.br


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