São Paulo, quarta-feira, 13 de junho de 2007

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RUY CASTRO

Brinde ao sofisma

RIO DE JANEIRO - No mundo encantado dos comerciais vigiados pelo Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), beber cerveja é uma das grandes experiências ao alcance do homem. É a garantia de uma eterna "joie de vivre", de viver cercado de amigos (mas apenas dos que tomam a mesma marca) e de ter acesso a mulheres fabulosas em praias idem, mesmo que de estúdio.
Segundo a auto-regulamentação cometida, digo, praticada pelo Conar, beber cerveja é pouco mais do que beber Crush ou Grapette. Ou seja, não é "álcool". O fato de médicos e psiquiatras garantirem que duas latas de 350 mililitros de cerveja equivalem em conteúdo alcoólico a uma dose padrão de 50 mililitros de vodca ou uísque não comove os auto-regulamentadores. Um publicitário paulista já decretou que "não tem nada a ver".
O Conar, para mostrar que se preocupa com a saúde da população, afirma que, nos anúncios de cerveja, de algum tempo para cá, os modelos têm de "aparentar mais de 25 anos" e "foram banidos os bonecos e bichinhos, elementos do universo infantil". Quer dizer que, até o Conar entrar no caso, o que levou anos, milhões de crianças brasileiras ficaram expostas de propósito a essa propaganda subliminar?
A proposta da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de tirar do ar os comerciais de cerveja entre 8h e 20h é tímida. Deveria se estender até às 24h. Mesmo assim, tem contra si as cervejeiras, as agências de propaganda, as TVs, o Zeca Pagodinho, os desinformados sobre alcoolismo e o Conar. Este último, em nome de um sofisma em legalês, acusa a medida de inconstitucional e diz que o fórum para resolver o caso é o Congresso.
Onde os brindes (com champanhe) já estão sendo preparados, no caso de vitória dos barões da cerveja sobre a responsabilidade social.


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