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TENDÊNCIAS/DEBATES
A crise política e o Judiciário
MARCO ANTONIO VILLA
O nó górdio da impunidade, e que atinge o coração da democracia, não está
no Executivo nem no Legislativo, mas no Judiciário
A AÇÃO da Polícia Federal, especialmente a Operação Navalha,
tem criado enorme polêmica.
Muitos perguntam a quem interessam essas ações, como se uma polícia
de Estado tivesse de servir ao governo
em vez de defender o interesse público. A cada operação, é elaborada uma
teoria conspiratória e começa a busca
dos favorecidos e dos prejudicados.
Os críticos alegam que tudo não
passa de mero espetáculo, sem nenhum resultado prático, como se fosse tarefa da PF julgar e condenar os
acusados de desvios dos recursos públicos. Ela faz -e bem- a sua parte.
O nó górdio da impunidade -e que
atinge o coração da democracia- não
está no Executivo nem no Legislativo,
mas no Poder Judiciário. Os dois primeiros Poderes, apesar dos defeitos
que possuem, sofrem vigilância muito mais severa da imprensa, são mais
transparentes e democráticos. Do Judiciário, pouco ou nada sabemos.
Vivemos uma grave crise política
-que se eterniza. E parte dela se deve
à corrupção. E o papel ativo do Judiciário nesse combate é essencial.
A Justiça brasileira é severa com o
"andar de baixo", mas leniente com o
"andar de cima". Contra os pobres,
age rapidamente e pune severamente. Já políticos acusados de corrupção
-e considerados por seus pares como
corruptos- continuam circulando livremente. Alguns estão no Congresso
e são recebidos pelo presidente da República com todas as honras. Um deles, inclusive, pode entrar tranqüilamente no Palácio do Planalto, mas será preso se pisar nos Estados Unidos.
O Judiciário deve agir combatendo
os crimes, independentemente da
origem social do acusado. Parece óbvio, mas não é o que ocorre no Brasil.
É um Poder que acabou conivente
com a desmoralização da própria Justiça. E exemplos não faltam.
Não é mero acaso que nenhum dos
políticos importantes acusados de
corrupção tenha sido condenado e
preso. Eles contratam advogados criminalistas especializados em inocentar corruptos -e que cobram honorários caríssimos. Sabem que recebem
dinheiro sujo. Mesmo assim, muitos
deles, sem pestanejar, assinam manifesto em defesa da ética na política...
A crise moral atinge até os tribunais
superiores. A Operação Hurricane
apresentou documentos e gravações
envolvendo juízes, advogados e um
ministro do STJ (Superior Tribunal
de Justiça). A Navalha chegou ao TCU
(Tribunal de Contas da União).
Aí temos outro problema: a forma
como são sabatinados pelo Senado os
candidatos a ministro dos tribunais
superiores -como STF (Supremo
Tribunal Federal) e STJ- indicados
pelo presidente da República.
Diversamente do que ocorre nos
Estados Unidos, na terra descoberta
por Cabral, tudo não passa de mera
formalidade. Na sessão, o futuro ministro é elogiado, louvado como eminente jurista, mesmo que os senadores não tenham lido nada dele. Não se
faz nenhuma pergunta sobre tema relevante: evitam constrangimentos a
todo custo. O candidato já está aprovado antes da audiência. E se for uma
mulher, ah, aí a sessão se transforma:
a candidata é elogiada pela beleza,
elegância e charme, numa manifestação explícita de machismo.
O problema das nomeações é antigo: Collor retirou do STF Francisco
Rezek para designá-lo ministro das
Relações Exteriores. Depois o demitiu. Para não deixá-lo na rua, colocou-o de novo no STF. E se fôssemos mais
longe, chegaríamos a Floriano Peixoto, que designou um médico e um general para a Suprema Corte.
A legislação atual é mais que suficiente para combater a corrupção.
Logo, a questão não passa pela inexistência de base jurídica. Falar que falta
vontade política ao Judiciário deixaria Montesquieu corado. Também
não cabe tomar nenhuma atitude que
viole o equilíbrio entre os Poderes.
O caminho deve ser uma cobrança
ativa da sociedade, exigindo que o Judiciário finalmente, para usar linguagem futebolística, entre em campo.
Dentro desse quadro, com o Judiciário que temos, é impossível começar uma Operação Mãos Limpas, como na Itália. Diversamente do que escreveu nesta página o juiz Cláudio José Montesso (dia 10/6), apontar os
graves problemas do Judiciário não
fragiliza sua atuação ou a democracia.
Muito pelo contrário: fortalece a necessidade da mudança desse padrão.
O que o país espera é uma Justiça
célere, eficiente e não-classista. Espera que voltemos a ter capacidade de
nos horrorizarmos. Espera que o corrupto seja preso, julgado e condenado
(devolvendo aos cofres públicos o dinheiro desviado). Espera que a República anunciada em 15 de novembro
de 1889 seja finalmente proclamada.
MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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