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JOSÉ SARNEY
O perigo telefone
QUANDO DA mudança da capital do Rio para Brasília, a
reação foi ultra-enlouquecida, atingindo todos os aspectos.
Gustavo Corção, quando viu o projeto de Lúcio Costa, denunciou:
"está errado, esse lago não vai encher". E outro fanático vaticinou:
as "comunicações não vão funcionar, as ondas de rádio não atravessam o cerrado".
O lago do Paranoá encheu, mas
as comunicações eram péssimas.
Os telefones falavam mal. As ligações não eram completadas e,
quando aconteciam, caíam em outros números e se ouviam sempre
conversas cruzadas, dando margem à circulação de fofocas e mexericos. Adauto Cardoso -não falo
dele sem lembrar o homem admirável que foi- definiu logo: "em
Brasília não se fala ao telefone, fala-se num simpósio".
Tudo isso são curiosidades artesanais, a considerar as revelações
da CPI dos grampos. Hoje, só a PF
tem até maio 5.813 telefones grampeados com autorização judicial.
Se colocarmos as polícias estaduais, detetives particulares, maridos e mulheres ciumentos, espionagem industrial e outras coisas
mais, chegaremos a mais de 1 milhão de pessoas escutadas.
Nos Estados a coisa é mais primária. Várias unidades da federação criaram Abins, inclusive o Maranhão, todas têm o famoso Guardião, o software com capacidade
para fazer mais de 600 interceptações simultâneas, e já está no mercado uma nova versão ultramoderna, para gravar, além de conversas,
e-mails, mensagens de MSN, VoIP,
Skype, texto de celular, Nextel e toda essa parafernália da internet e
de comunicação via satélite.
O grande jornalista Janio de
Freitas, com sua insuspeita autoridade, desconfiou nesse boom do
grampo de "influência eleitoral",
uma espécie de polícia política sofisticada. Um executivo da TIM
Celular, Delmar Nicoleti, confessa
que o "crescimento dos grampos é
assustador". O doutor Antônio Bigonha, da Associação Nacional dos
Procuradores da República, pede
"cautela com esse procedimento".
Hoje, no mundo inteiro, sabe-se
que os direitos individuais estão
destruídos e a privacidade é zero. A
cidadania caminha para a ficção. O
ministro Thomaz Bastos, no seu
tempo, viu o problema com bastante lucidez e preparou uma legislação de prudência e salvaguardas.
Não conseguiu.
Mas o pior está para chegar. Com
a velocidade das descobertas científicas, vem aí um software de ler
pensamentos. Então, o homem terá de ser mudo e burro. Não falar,
não ouvir e não pensar, pois tudo
estará grampeado. Como chamar
esses tempos? Grampocracia.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna
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