São Paulo, terça-feira, 13 de julho de 2004

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REPÚBLICA RENTISTA

A abertura financeira e comercial promovida no Brasil no início dos anos 90 permitiu a estabilização monetária, mas a expressiva valorização da taxa de câmbio e as elevadas taxas de juros domésticas ampliaram o endividamento público externo e interno. No início do Plano Real, a situação financeira do setor público brasileiro era relativamente confortável. O governo anterior havia realizado um ajuste fiscal de grandes proporções. Em 1994, a dívida líqüida do setor público -governo federal, Banco Central, governos estaduais, municipais e estatais- era de 28% do PIB, mas cresceu continuamente para 58,7% do PIB em 2003.
Inicialmente, a expansão da dívida pública foi fruto da necessidade de captar recursos estrangeiros para financiar os déficits em transações correntes e acumular reservas internacionais -por meio de captações no exterior e não de saldos comerciais- que eram "esterilizadas" mediante a emissão de títulos. Em seguida, a dívida floresceu com os juros exorbitantes praticados para defender a taxa de câmbio sujeita a crises recorrentes. Foram esses fatores que alimentaram a dívida pública e não os gastos excessivos do governo. A rolagem dos títulos da dívida, oferecendo elevada liqüidez e taxas de juros reais acima de 10% ao ano, travou o investimento produtivo. O resultado foi uma taxa de crescimento média de 2,2% em dez anos, com elevado patamar de desemprego, demanda interna reprimida e reduzida oferta de crédito.
Nesse contexto, a rentabilidade da produção perdeu para a do setor financeiro, como mostrou reportagem desta Folha no domingo. Entre 1995 e 2003, o retorno médio anual dos fundos DI, uma aplicação financeira relativamente conservadora, alcançou 18,3% (já descontada a alíquota de 20% do IR); a rentabilidade média das empresas de capital aberto não-financeiras foi de apenas 3,6% no mesmo período.
Essa realidade evidencia que a economia brasileira é presa de uma armadilha que tem tolhido sua capacidade de investimento e crescimento. É como se o país estivesse se transformando numa sociedade de rentistas, com a riqueza dirigida para fundos de investimento lastreados em títulos da dívida pública, de baixo risco e alto rendimento. De certa forma, os agentes econômicos, empresas, bancos, classes médias, tornaram-se sócios compulsórios de uma realidade na qual a produção, relegada ao segundo plano, deu lugar a uma ciranda financeira.
Esse círculo vicioso exige ajuste fiscal permanente e cada vez maior para pagar os juros da dívida pública e absorver os impactos das flutuações cambiais. O pagamento de juros atingiu US$ 145,2 bilhões em 2003, o equivalente a 9,6% do PIB. O país precisa, portanto, encontrar uma saída para a armadilha de juros altos, estrangulamento fiscal e baixo crescimento. É indispensável enfrentar o desafio da irresistível atração do sistema financeiro para os títulos da dívida pública. Para isso, é necessário estimular a tomada de posições de longo prazo para suportar novos investimentos privados de alto retorno em exportação e em infra-estrutura, libertando-os dos limites do orçamento fiscal. A redução dos juros reais e a expansão do crédito são condições para elevar os investimentos e as taxas de crescimento.
Torna-se relevante também reduzir a tributação sobre o investimento produtivo. Enquanto o setor produtivo pode estar sujeito a 61 tributos, uma aplicação financeira de 30 dias está a apenas seis. Investimentos produtivos e as aplicações financeiras de longo prazo necessitam receber tratamento fiscal diferenciado.


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