São Paulo, terça-feira, 13 de julho de 2004

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DIPLOMA PARA NADA

Quando uma criança pergunta por que tem de ir à escola, não raro seus pais respondem que ela precisa aprender uma profissão. Já se foram os tempos em que a conquista de um diploma era garantia de emprego por toda a vida, mas segue vigendo a lógica segundo a qual um curso superior deve ser capaz de habilitar os formandos para o exercício profissional. Uma escola que não seja capaz de fazê-lo com a maioria de seus estudantes solapa as razões de sua própria existência.
Resultados do mais recente exame que a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aplica a bacharéis em direito sugerem que boa parte dos cursos de direito no Estado de São Paulo poderia ser fechada sem prejuízos: o índice de reprovação bateu todos os recordes, chegando a 87%. Sem a carteira da ordem, o bacharel não pode advogar. Poderia, é verdade, tornar-se juiz ou promotor, mas para fazê-lo precisaria ser aprovado em concursos mais difíceis que as provas da OAB.
Especialistas são unânimes em apontar a proliferação de cursos de direito pouco ciosos da qualidade do ensino que ministram como a principal causa para os resultados desastrosos. Os números falam por si. Em 1993, havia no país 183 cursos de direito. Hoje, eles são 773. Ainda que se admita que o mais recente teste da OAB tenha sido especialmente difícil, o índice de reprovação dos inscritos no exame tem transitado nos últimos anos em torno dos 80%.
Não há dúvida de que o fenômeno está relacionado à proliferação dos cursos. No exame da ordem aplicado em abril de 2002, apenas 19% dos inscritos em São Paulo foram aprovados. Idêntico teste foi aplicado no mesmo dia a candidatos do Espírito Santo, onde o índice de sucesso foi de 37%. A diferença está no fato de que, no ES, a multiplicação das escolas foi menos intensa que em SP.
Seria ingenuidade acreditar que o problema da péssima formação esteja restrito ao direito. É até possível que a situação seja pior em outras carreiras, como a medicina ou a engenharia, em que basta concluir o curso para estar legalmente habilitado a exercer a profissão.
Existe uma questão pública em cena quando o Ministério da Educação reconhece diplomas de médicos que não sabem medicina ou de engenheiros que desconhecem as razões que levam prédios a desabar. Há, na verdade, duas questões públicas. Em primeiro lugar, o profissional despreparado pode representar uma ameaça física à sociedade. Em segundo, a existência de cursos que não ensinam representa uma violação aos direitos de consumidor do aluno. Ele, afinal, paga suas mensalidades sem obter em troca a contrapartida do conhecimento.


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