São Paulo, quarta, 13 de agosto de 1997.



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Real forte é felicidade

ANTONIO DELFIM NETTO

Uma das idéias mais extravagantes que dominam alguns economistas brasileiros é a de que a taxa de câmbio sobrevalorizada, sustentada por 1) uma taxa de juro acima da internacional, que permite lucrativa arbitragem financeira; 2) a venda de ativos públicos ao capital estrangeiro; 3) investimentos externos fortemente subsidiados (como é, certamente, o caso do setor automotivo); 4) "investimentos" que são mera transferência de titularidade de empresas nacionais prejudicadas pelo juro e pelo câmbio; 5) a redução afoita de tarifas e 6) taxas de juros internos "escorchantes", vai acabar gerando um aumento da produtividade, que produzirá o equilíbrio externo.
Tal exuberância imaginativa só é permitida a quem esqueceu a primeira lição da economia, na qual se ensina que a teoria das vantagens comparativas tem implícita o pleno emprego, resultado da hipótese de retornos de escala constantes. E a quem perdeu o apêndice dessa aula, no qual se mostra que elas não garantem o equilíbrio do balanço de pagamentos.
Mas é difícil imaginar que "cientistas" e homens "práticos" aceitem aquela proposição sem se questionar: 1) Se o câmbio valorizado, juntamente com a redução tarifária, produz a "produtividade", então por que não diminuir o câmbio nominal (ou melhor, por que ele não se manteve em R$ 0,84 por dólar) e reduzir todas as tarifas a zero?
2) Se o câmbio valorizado, a falta de crédito a prazos adequados e a taxa de juro parecida com as internacionais, juntamente com a redução tarifária, eliminaram algumas atividades sem aumentar outras (e, portanto, gerando desemprego), sobraram as empresas mais "produtivas". O aumento da "produtividade" foi produzido pelo câmbio valorizado ou é um simples reflexo do truque estatístico que conta, agora, apenas as empresas que já eram mais produtivas? E o que fazer dos fatores desempregados? Esperar que o mercado os realoque em atividades mais produtivas?
3) Mas o problema fundamental é o seguinte: qual foi a sacerdotisa de Apolo que inspirou o Oráculo do Paranoá a proclamar que R$ 0,84 por dólar era a "valorização" correta, que iria impor a "produtividade" a toda a economia brasileira?
O que prova que vivemos num mundo de ilusão e encantamento é a ingenuidade com que as pessoas (produtores levados à falência, trabalhadores expulsos da agricultura e das fábricas) acreditam numa tolice como essa. De onde surgiu essa idéia singular de que o que é bom para a especulação financeira é bom para o sistema produtivo e para os trabalhadores nacionais?
Com a recente evolução do mercado financeiro internacional, retratada na valorização do dólar (e da libra) e no rápido movimento de nossos competidores, que flutuaram a sua moeda, nossa situação fica um pouco mais delicada. Mas Brasília -a capital do país virtual, que desaparece quando se desliga a televisão- ficaria preocupada? O real está apenas se "valorizando" mais um pouco. Mas não é isso que se diz que produz a produtividade e a felicidade?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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