|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Real forte é felicidade
ANTONIO DELFIM NETTO
Uma das idéias mais extravagantes
que dominam alguns economistas
brasileiros é a de que a taxa de câmbio
sobrevalorizada, sustentada por 1)
uma taxa de juro acima da internacional, que permite lucrativa arbitragem
financeira; 2) a venda de ativos públicos ao capital estrangeiro; 3) investimentos externos fortemente subsidiados (como é, certamente, o caso do
setor automotivo); 4) "investimentos" que são mera transferência de titularidade de empresas nacionais prejudicadas pelo juro e pelo câmbio; 5) a
redução afoita de tarifas e 6) taxas de
juros internos "escorchantes", vai
acabar gerando um aumento da produtividade, que produzirá o equilíbrio
externo.
Tal exuberância imaginativa só é
permitida a quem esqueceu a primeira
lição da economia, na qual se ensina
que a teoria das vantagens comparativas tem implícita o pleno emprego,
resultado da hipótese de retornos de
escala constantes. E a quem perdeu o
apêndice dessa aula, no qual se mostra que elas não garantem o equilíbrio
do balanço de pagamentos.
Mas é difícil imaginar que "cientistas" e homens "práticos" aceitem
aquela proposição sem se questionar:
1) Se o câmbio valorizado, juntamente
com a redução tarifária, produz a
"produtividade", então por que não
diminuir o câmbio nominal (ou melhor, por que ele não se manteve em
R$ 0,84 por dólar) e reduzir todas as
tarifas a zero?
2) Se o câmbio valorizado, a falta de
crédito a prazos adequados e a taxa de
juro parecida com as internacionais,
juntamente com a redução tarifária,
eliminaram algumas atividades sem
aumentar outras (e, portanto, gerando desemprego), sobraram as empresas mais "produtivas". O aumento da
"produtividade" foi produzido pelo
câmbio valorizado ou é um simples
reflexo do truque estatístico que conta, agora, apenas as empresas que já
eram mais produtivas? E o que fazer
dos fatores desempregados? Esperar
que o mercado os realoque em atividades mais produtivas?
3) Mas o problema fundamental é o
seguinte: qual foi a sacerdotisa de
Apolo que inspirou o Oráculo do Paranoá a proclamar que R$ 0,84 por
dólar era a "valorização" correta, que
iria impor a "produtividade" a toda a
economia brasileira?
O que prova que vivemos num
mundo de ilusão e encantamento é a
ingenuidade com que as pessoas (produtores levados à falência, trabalhadores expulsos da agricultura e das fábricas) acreditam numa tolice como
essa. De onde surgiu essa idéia singular de que o que é bom para a especulação financeira é bom para o sistema
produtivo e para os trabalhadores nacionais?
Com a recente evolução do mercado
financeiro internacional, retratada na
valorização do dólar (e da libra) e no
rápido movimento de nossos competidores, que flutuaram a sua moeda,
nossa situação fica um pouco mais delicada. Mas Brasília -a capital do país
virtual, que desaparece quando se
desliga a televisão- ficaria preocupada? O real está apenas se "valorizando" mais um pouco. Mas não é isso
que se diz que produz a produtividade
e a felicidade?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|