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A TORTURA CONTINUA
Embora praticada desde longa
data no país, a tortura teve nos
anos mais duros do regime militar
um período de exasperação. Em seu
livro "A Ditadura Escancarada", o
jornalista Elio Gaspari narra com minúcias a sórdida crônica dessa prática, então sancionada por alguns oficiais-generais, e expõe seus ardis,
suas consequências deletérias, sua
brutalidade e estupidez.
Possivelmente por ter atingido de
forma sistemática filhos da classe
média e da elite, jornalistas, intelectuais, militantes de esquerda, gente
enfim que combatia o regime, muitos dos quais sobreviveram para rememorar os horrores, a tortura tornou-se alvo de profundo repúdio em
círculos de brasileiros mais esclarecidos, gerando protestos, levantamentos, livros, estudos, alertas.
Superada, no entanto, sua fase propriamente política, essa execrável
modalidade de violência sobreviveu
em seu tradicional habitat: a penumbra das diligências policiais e das salas fechadas de delegacias, tendo como vítimas cidadãos pobres, indivíduos muitas vezes obrigados a confessar o crime não praticado, ou
mesmo delinquentes, que, por isso
mesmo, raramente contam com a
simpatia da sociedade.
É o que parece estar ocorrendo de
forma sistemática no chamado entorno de Brasília, região composta
por 42 municípios (29 de Goiás e 13
de Minas) que tem sido vista com
preocupação há pelo menos quatro
anos, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso considerou-a digna de especial atenção.
Ali, relatam-se afogamentos, sufocamentos com sacos plásticos e aplicações de choques elétricos em órgãos genitais, versões variadas da
"tecnologia" desenvolvida às escuras
para obter confissões sem deixar
maiores vestígios.
Os casos relatados chegam a uma
centena. Em Goiás, 40 policiais já teriam sido afastados desde janeiro
por suspeita de prática de tortura no
entorno brasiliense. O governo federal e a Câmara dos Deputados levantaram depoimentos e indícios e,
após uma reunião realizada em junho, decidiram criar uma comissão
especial para enfrentar o problema.
O grupo conta com representantes
de governos envolvidos e com o auxílio de organizações não-governamentais para promover investigações e fazer vistorias em delegacias.
Menos mal que, mesmo lentamente, algo se tenha movido em oposição à barbárie que permanece viva
em algumas áreas da polícia. Infelizmente, o conhecido lema "tortura
nunca mais" ainda está longe de ter
esgotado sua função no Brasil.
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