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São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

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A TORTURA CONTINUA

Embora praticada desde longa data no país, a tortura teve nos anos mais duros do regime militar um período de exasperação. Em seu livro "A Ditadura Escancarada", o jornalista Elio Gaspari narra com minúcias a sórdida crônica dessa prática, então sancionada por alguns oficiais-generais, e expõe seus ardis, suas consequências deletérias, sua brutalidade e estupidez.
Possivelmente por ter atingido de forma sistemática filhos da classe média e da elite, jornalistas, intelectuais, militantes de esquerda, gente enfim que combatia o regime, muitos dos quais sobreviveram para rememorar os horrores, a tortura tornou-se alvo de profundo repúdio em círculos de brasileiros mais esclarecidos, gerando protestos, levantamentos, livros, estudos, alertas.
Superada, no entanto, sua fase propriamente política, essa execrável modalidade de violência sobreviveu em seu tradicional habitat: a penumbra das diligências policiais e das salas fechadas de delegacias, tendo como vítimas cidadãos pobres, indivíduos muitas vezes obrigados a confessar o crime não praticado, ou mesmo delinquentes, que, por isso mesmo, raramente contam com a simpatia da sociedade.
É o que parece estar ocorrendo de forma sistemática no chamado entorno de Brasília, região composta por 42 municípios (29 de Goiás e 13 de Minas) que tem sido vista com preocupação há pelo menos quatro anos, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso considerou-a digna de especial atenção.
Ali, relatam-se afogamentos, sufocamentos com sacos plásticos e aplicações de choques elétricos em órgãos genitais, versões variadas da "tecnologia" desenvolvida às escuras para obter confissões sem deixar maiores vestígios.
Os casos relatados chegam a uma centena. Em Goiás, 40 policiais já teriam sido afastados desde janeiro por suspeita de prática de tortura no entorno brasiliense. O governo federal e a Câmara dos Deputados levantaram depoimentos e indícios e, após uma reunião realizada em junho, decidiram criar uma comissão especial para enfrentar o problema. O grupo conta com representantes de governos envolvidos e com o auxílio de organizações não-governamentais para promover investigações e fazer vistorias em delegacias.
Menos mal que, mesmo lentamente, algo se tenha movido em oposição à barbárie que permanece viva em algumas áreas da polícia. Infelizmente, o conhecido lema "tortura nunca mais" ainda está longe de ter esgotado sua função no Brasil.


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