|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Obediência ao mercado
O famoso "mercado" fica agitado
quando não se faz exatamente o
que ele recomenda ou quando, no
Congresso, como consequência do
contraditório, não se aprova sem crítica uma "reforma" proposta pelo Executivo. Tudo se passa como se o "mercado" fosse portador do estado da arte
de uma verdadeira "ciência" que dispensa a democracia. Qualquer violação aos seus desejos é vista como uma
transgressão ao "verdadeiro conhecimento". Por que discutir se ele sabe o
que é certo? Mas, afinal, quem é esse
"mercado"? Com raríssimas e notáveis exceções, é um conjunto constituído de elementos inteligentes que tiveram acesso às melhores escolas (em
geral portadores de Ph.D) e que se dedicam a convencer em seu próprio interesse o "verdadeiro" mercado (os
que compram e podem perder com os
papéis que lhes vendem) de que são
capazes de selecionar o portfólio mais
rentável e de menor risco. Tudo aquilo
que facilita a sua atividade é reconhecido como recomendável, não porque
haja uma boa teoria para sustentá-lo,
mas principalmente porque "é assim
que funciona".
Não pode existir a menor dúvida sobre o fato de que um mercado financeiro e um mercado de capitais bem
construídos, transparentes e com regras estáveis, que facilitem aos poupadores dividir os seus riscos, são instrumentos fundamentais para o financiamento do investimento criador de
emprego e gerador de desenvolvimento. Foi essa divisão de riscos dos
emprestadores que permitiu (desde a
Grécia e Roma) a alguns empresários
mais ousados envolver-se em fantásticas aventuras que produziam altos lucros com altíssimo risco. Quando
ocorria o pior, a responsabilidade do
empreendedor era limitada ao capital
que havia posto no negócio. O curioso
é que, até hoje, o governo se recusa a
aceitar esse fato. Ainda agora, a propósito de uma mudança necessária no
Código Tributário para a aprovação
da Lei de Falências, ele intrujou um
dispositivo que, se aprovado, envolveria, no caso de um fracasso, todo o patrimônio do empresário, e não apenas
o que tivesse sido colocado no negócio. Esse dispositivo é um breviário
contra todo investimento!
Nos países emergentes, os mercados
costumam ser muito ineficientes, porque a fúria tributária de seus governos
distorce a intermediação financeira
por toda sorte de impostos. Profundamente endividados, os governos desses países esquecem-se de sua tarefa
principal (organizar a sociedade para
o desenvolvimento) e se concentram
no aumento dos tributos para remunerar, generosamente, o estoque da
dívida já constituída. O "mercado" é
apenas um lucrativo "locus", onde um
conjunto de transações de eficiência
duvidosa financia um governo certamente ineficiente.
Quando a relação entre a dívida interna líquida e o PIB passa de 28% para 56% (o que aconteceu entre 1995 e
2002), é natural que o "mercado",
mesmo reconhecendo o pequeno risco de "default", exija gordas taxas de
juros. Infelizmente o mercado, com
poucos agentes mobilizadores de
poupança e apenas um agente tomador privilegiado, tem pouco espaço
para financiar o setor privado, que faz
o desenvolvimento. O problema é ainda mais grave quando a dívida é externa: nesse caso, os "desejos do mercado" tornam-se a última palavra do estado da arte da "teoria econômica"...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O azar e o destino Próximo Texto: Frases
Índice
|