São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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JOSÉ SARNEY

Uma baleia na eleição

O Rio de Janeiro já foi um porto pescador de baleias. Elas entravam na baía de Guanabara e ali ficavam bailando, como área de alimentação e de criação. Os homens as espantaram na matança secular a que a espécie foi submetida.
Frei Vicente do Salvador afirma que, em 1602, foi iniciada a pesca sistemática, que passou a ser uma das rendas de grande significação da metrópole. Depois, a pesca foi -como a Petrobras até bem pouco tempo- monopólio do Reino, com contratos terceirizados, flexibilizados (linguagem atual), para a exploração que ia do Desterro (Florianópolis), passando pelo Rio e por Angra dos Reis, até a Bahia. Mataram tanto que elas desapareceram, mudaram seu caminho de procriação e, hoje, quase todas as espécies precisam de tratados e de convenções internacionais para sobreviver.
A baleia sempre foi uma fascinação na imaginação do homem. Quem não se lembra de Moby Dick, a baleia branca, aquela que comeu a perna do capitão Ahab, que, depois, perseguido pela idéia de vingança, procurou por ela nos sete mares e, afinal, ao encontrá-la e arpoá-la, a corda enrolou-se em seu pescoço e, com Moby Dick, foi para os abismos das águas, onde as baleias cantam seus sons de acasalamento.
Herman Melville, ele mesmo caçador de baleia, deu-nos essas páginas magistrais, que não morrem nunca.
A baleia que aportou no Rio é dos tempos passados, lembrando o caminho de seus ancestrais. O que há de novo é que, em vez de arpoá-las, hoje chora-se por elas. Aquele menino, nos braços de sua mãe, a derramar lágrimas pela agonia da baleia, é uma prova de que o mundo melhorou.
Quando presidente da República, em 1987, proibi a caça da baleia, o que me custou muitas pressões, principalmente porque se alegava que a indústria era a única fonte de renda de pequeno município da Paraíba. Depois de alguns anos, as baleias voltaram às costas do Brasil. Não temos mais Pedro de Urecha, aquele que veio ao Brasil no século 17 ensinar a matar baleias.
Mas, em compensação, se não matamos mais baleias, na insegurança das nossas cidades, como o Rio, são os homens que são mortos, vítimas do crime organizado, do narcotráfico e da violência humana.
Carlos Lacerda, esse admirável homem público, que até hoje faz falta ao Brasil, em determinado momento de crise política, em que as coisas não estavam claras, resolveu escrever sobre a Sociedade Protetora dos Animais. Nada melhor que, quando os homens não se entendem, lembremos os animais, que se entendem melhor que os homens, principalmente as baleias, que, vivendo muitos anos (até 200) podem aprender a corrigir seus caminhos e fugir dos predadores.
O que tem a baleia com a política? Não encontro uma relação clara, a não ser a mais evidente, que a baleia não vota e não é votada. Certamente, a que chegou ao Rio não foi por causa da eleição acirrada que aí se desenrola, mas para morrer na praia, agonizante e de fadiga, como neste tempo eleitoral morrem muitos candidatos.
As lágrimas do menino da baleia mostram que a humanidade é bem melhor do que muitas vezes nós pensamos.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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