São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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CLAUDIA ANTUNES

Pacto inexistente

RIO DE JANEIRO - O projeto que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual deve ter falhas jurídicas, disposições economicamente inviáveis e até segundas intenções políticas, como dizem seus críticos, mas o ministro Gil tem razão quando acusa os que usam adjetivos retumbantes como "stalinista" e "autoritário" para desqualificar a iniciativa de pretenderem enterrar outra vez o debate sobre a regulação do setor.
A disputa eleitoral e medidas governistas de partidarização da máquina federal favorecem a politização extrema da discussão, mas esse viés se impõe com facilidade por causa da dificuldade brasileira de lidar com a noção do que é um bem público -noção que supõe um pacto em que cada parte cede um pouco em seus interesses e metas de curto prazo para viabilizar a vida em sociedade.
Mesmo privatizados, serviços como telefonia e energia elétrica são ainda públicos e sua gestão deve, em tese, equilibrar os interesses dos usuários e a viabilidade econômica das empresas. Não haveria por que ser diferente com as concessionárias de radiodifusão, foco da oposição mais forte ao projeto da agência, uma autarquia especial cujos dirigentes teriam mandato e estabilidade.
Pode ser que, esgotada a polêmica, chegue-se à conclusão de que a regulação é desnecessária, até por não acreditarmos em nossa capacidade de criar regras e garantir implementação justa. Mas, de fato, estaremos, como disse Gil à Folha, na "contramão da história" do que já fizeram "as catedrais do capitalismo".
Para quem gosta de analogias externas, vale lembrar a criação, na Grã-Bretanha, no final do ano passado, do Office of Communications, que assumiu a regulação da radiodifusão (rádio e TV) e das telecomunicações, antes feita por cinco entidades diferentes. Uma das prioridades do escritório é a relação com os cidadãos: por causa de reclamações de espectadores e ouvintes, neste ano foram multadas emissoras que difundiram conteúdo sexual em horário impróprio, e a Fox News foi repreendida por atacar a BBC sem ouvi-la.


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