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Desconversa
Lula tentou despistar o público em entrevista na TV, mas ainda deve explicações sobre corrupção no seu governo
FORAM APENAS 12 desconfortáveis minutos de entrevista -mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia sem dúvida passar horas diante das câmeras do "Jornal Nacional", na noite de quinta-feira, sem nada de convincente declarar sobre os escândalos
que varreram seu governo.
Nas raríssimas entrevistas que
terminou concedendo sobre o
assunto, sua tática não mudou:
trata-se invariavelmente de fazer uma afirmativa aparentemente clara e sincera -"nós erramos", "sou plenamente responsável pelo que acontece na
Presidência", "fui traído"- para
em seguida diluir qualquer conteúdo que a frase pudesse ter.
Foi traído, mas é incapaz de dizer por quem. Responsável por
tudo, é normal que não saiba de
nada? Erros houve, mas quais?
Se depender do presidente, isso
jamais será esclarecido.
Mais um giro na tática da desconversa, e Lula reafirma seu
empenho para que "as denúncias
sejam investigadas" e "os culpados recebam justa punição". Sim,
desde que se tome por "denúncia" o que é flagrante evidência, e
desde que, entre os possíveis culpados, não se aponte ninguém.
Aproxima-se da aberta desfaçatez -não fosse a insistência
quase anestesiante com que o
presidente repete esse tipo de
afirmações- a idéia de que em
seu governo nada foi feito para
dificultar o esclarecimento do
mensalão. O que se viu foi uma
campanha cerrada contra a instalação das CPIs; nestas, a bancada governista agiu com um misto
de provocação, insensibilidade e
desatino só comparáveis aos dos
piores momentos da "tropa de
choque" de Fernando Collor.
Bastante pressionado pelos
apresentadores do "Jornal Nacional", Lula deu ainda um passo
inédito no sinuoso percurso de
negaceios e desentendidos que
até agora vinha oferecendo à opinião pública. Na condição de
candidato à reeleição, cuidou de
retocar uma imagem de administrador rigoroso, sem sombra
de tolerância com as irregularidades cometidas por seus subordinados. Prova disso seria sua
decisão de afastar José Dirceu,
Antonio Palocci e "outros envolvidos" dos cargos que ocupavam.
Eram outras as suas palavras,
contudo, quando se despedia
desses dois inestimáveis companheiros de jornada. Mais do que
um simples discurso protocolar,
Lula dirigiu ao seu "querido Zé",
por exemplo, palavras de encorajamento na tarefa de "defesa de
nosso governo", expressando
confiança em que seriam "desfeitas as infundadas acusações"
dos adversários.
Reescreve-se agora, em tintas
talvez mais verídicas, uma história que o discurso governista já
tinha coberto de garranchos, rabiscos, borrões e frases sem sentido. A tentativa, obviamente, é
torná-la de tal modo ilegível, que
o julgamento da população vacile diante das impávidas profissões de fé do presidente.
Mesmo muitas horas de retórica profusa não poderiam, entretanto, diminuir a gravidade da
série espantosa de escândalos e
desmandos sobre os quais, ainda
uma vez, o presidente está a dever um mínimo de explicações
satisfatórias.
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