São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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Editoriais

Muda o cenário

Reação russa no Cáucaso, vigor econômico de emergentes e impasses no islã mostram limites do poder americano

RETIRADA das tropas, garantia de acesso à ajuda humanitária, promessa de debate internacional sobre as regiões separatistas. O acordo firmado entre os presidentes Dmitri Medvedev, da Rússia, e Nicolas Sarkozy, da França -que ocupa a presidência rotativa da União Européia-, encerra, ao que parece, o conflito desencadeado com a incursão da Geórgia sobre a Ossétia do Sul.
Da aventura empreendida pelo presidente georgiano Mikhail Saakashvili e da reação desproporcional dos generais de Moscou, dois saldos de natureza diversa parecem resultar. O primeiro, em sofrimento e destruição, é o que se conhece em toda guerra moderna: populações civis são bombardeadas, refugiados contam-se aos milhares, arrasam-se vilas e cidades.
O resultado do confronto a médio prazo é de outra ordem. A resposta militar de Moscou surge como uma mensagem clara, endereçada não apenas aos ânimos hostis ao Kremlin na região, mas sobretudo ao poder americano. As pretensões do governo Bush de estabelecer uma cunha estratégica na vizinhança russa recebem um revés.
Contabiliza-se também no plano retórico uma derrota para o governo americano. Bush classificou de "inaceitável" a ação russa, e seu vice, Dick Cheney, chegou a sugerir uma intervenção ocidental no conflito. Manifestações desse tipo reduziram-se ao que nunca haviam deixado de ser: oratória rotineira diante de uma realidade geopolítica rebelde aos planos de Washington.
Numa perspectiva mais ampla, o confronto talvez constitua mais um episódio dentro do processo de reconfiguração do poder internacional que acompanha o ocaso do governo Bush.
A queda do Muro de Berlim anunciava um período de absoluta hegemonia americana sobre os destinos do planeta. Os países do antigo bloco soviético, a começar pela Rússia, jaziam desorganizados e enfraquecidos. No plano econômico, não eram ainda visíveis os sinais de prosperidade que hoje, em vários países emergentes, alteram significativamente o cenário global.
O poderio bélico americano continua sem rival. Mas as ações no sentido de fazê-lo valer na prática, contra adversários no mundo islâmico, não corresponderam ao otimismo dos primeiros tempos. No Iraque, os mais de 4.000 soldados americanos mortos, a catástrofe humanitária ali produzida e o agravamento da instabilidade no Oriente Médio constituíram áspero aprendizado para a Casa Branca.
Com a Rússia exibindo novamente seu poder, com o vigor de várias economias emergentes, com o ferrenho antiamericanismo que viceja nos grandes exportadores de petróleo, a estratégia do governo Bush de dar as costas aos organismos de negociação internacional parece, desse modo, encontrar seu limite. O quadro mudou; não está mais no horizonte do atual governo dos Estados Unidos responder a essa nova realidade.


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