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Muda o cenário
Reação russa no Cáucaso, vigor econômico de emergentes e impasses no islã mostram limites do poder americano
RETIRADA das tropas, garantia de acesso à ajuda
humanitária, promessa
de debate internacional
sobre as regiões separatistas. O
acordo firmado entre os presidentes Dmitri Medvedev, da
Rússia, e Nicolas Sarkozy, da
França -que ocupa a presidência rotativa da União Européia-,
encerra, ao que parece, o conflito
desencadeado com a incursão da
Geórgia sobre a Ossétia do Sul.
Da aventura empreendida pelo
presidente georgiano Mikhail
Saakashvili e da reação desproporcional dos generais de Moscou, dois saldos de natureza diversa parecem resultar. O primeiro, em sofrimento e destruição, é o que se conhece em toda
guerra moderna: populações civis são bombardeadas, refugiados contam-se aos milhares, arrasam-se vilas e cidades.
O resultado do confronto a médio prazo é de outra ordem. A
resposta militar de Moscou surge como uma mensagem clara,
endereçada não apenas aos ânimos hostis ao Kremlin na região,
mas sobretudo ao poder americano. As pretensões do governo
Bush de estabelecer uma cunha
estratégica na vizinhança russa
recebem um revés.
Contabiliza-se também no plano retórico uma derrota para o
governo americano. Bush classificou de "inaceitável" a ação russa, e seu vice, Dick Cheney, chegou a sugerir uma intervenção
ocidental no conflito. Manifestações desse tipo reduziram-se ao
que nunca haviam deixado de
ser: oratória rotineira diante de
uma realidade geopolítica rebelde aos planos de Washington.
Numa perspectiva mais ampla,
o confronto talvez constitua
mais um episódio dentro do processo de reconfiguração do poder internacional que acompanha o ocaso do governo Bush.
A queda do Muro de Berlim
anunciava um período de absoluta hegemonia americana sobre
os destinos do planeta. Os países
do antigo bloco soviético, a começar pela Rússia, jaziam desorganizados e enfraquecidos. No
plano econômico, não eram ainda visíveis os sinais de prosperidade que hoje, em vários países
emergentes, alteram significativamente o cenário global.
O poderio bélico americano
continua sem rival. Mas as ações
no sentido de fazê-lo valer na
prática, contra adversários no
mundo islâmico, não corresponderam ao otimismo dos primeiros tempos. No Iraque, os mais
de 4.000 soldados americanos
mortos, a catástrofe humanitária
ali produzida e o agravamento da
instabilidade no Oriente Médio
constituíram áspero aprendizado para a Casa Branca.
Com a Rússia exibindo novamente seu poder, com o vigor de
várias economias emergentes,
com o ferrenho antiamericanismo que viceja nos grandes exportadores de petróleo, a estratégia do governo Bush de dar as
costas aos organismos de negociação internacional parece, desse modo, encontrar seu limite. O
quadro mudou; não está mais no
horizonte do atual governo dos
Estados Unidos responder a essa
nova realidade.
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