São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Conta corrente

HÁ AFIRMAÇÕES aparentemente derivadas das identidades da contabilidade nacional (a única convenção indiscutível da economia) que, por sua obviedade, parecem verdades absolutas. Uma dessas é a afirmação de que "o déficit em conta corrente é condição suficiente para demonstrar que existe um excesso de demanda global".
Para entender que não é assim, suponhamos o PIB físico máximo determinado nas condições usuais dos modelos do livro-texto. Obviamente, o objetivo da política econômica bem-sucedida é produzir um nível de demanda total que seja igual a ele. Por definição, portanto, não haverá pressão inflacionária.
Neste caso, será o saldo em conta corrente necessariamente nulo, como afirma, implicitamente, a proposição? Quando há liberdade de movimento de capitais, o livro-texto ensina que isso só se verificará quando a taxa de juro real interna for igual à externa, condição que está longe de verificar-se no Brasil.
Fixada a oferta (o PIB máximo), a soma das demandas (consumo + investimento + gasto do governo + saldo em conta corrente) será, por construção, igual a ele. Cada uma delas, por sua vez, será determinada no mercado por três preços críticos: o salário real, a taxa de juro real e a taxa de câmbio real.
Nas condições impostas, quando uma delas aumenta, as outras têm de diminuir. A melhor aproximação da taxa de câmbio real, a variável que juntamente com o nível do PIB determina o saldo em conta corrente, é a relação salário/câmbio. Quando há liberdade de movimento de capitais e a taxa de juro real interna for maior do que a do resto do mundo, a taxa cambial (que agora é o preço de um ativo, e não um preço relativo) estará fora do equilíbrio. Nesse caso, o preço "errado", a relação entre salário (determinado endogenamente) e câmbio (determinado exogenamente) pode, perfeitamente, acomodar saldo negativo em conta corrente sem que haja excesso de demanda global interna.
O grande economista e sociólogo Vilfredo Pareto (1848-1923) dizia que um simples e miserável fato é suficiente para assassinar a mais bela e sofisticada teoria. Olhemos um fato assassino. O tempo é 1998, e o espaço é o Brasil. O fato é o seguinte:


Diante desses números, alguém ousaria dizer que o "déficit em conta corrente é condição suficiente para demonstrar que existe um excesso de demanda global"? É claro que este pode revelar-se por muitos fatores, inclusive um déficit em conta corrente, mas não apenas por ele.


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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