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ANTONIO DELFIM NETTO
Conta corrente
HÁ AFIRMAÇÕES aparentemente derivadas das identidades da contabilidade nacional (a única convenção indiscutível da economia) que, por sua obviedade, parecem verdades absolutas. Uma dessas é a afirmação de que "o déficit em conta corrente é
condição suficiente para demonstrar que existe um excesso de demanda global".
Para entender que não é assim,
suponhamos o PIB físico máximo
determinado nas condições usuais
dos modelos do livro-texto. Obviamente, o objetivo da política econômica bem-sucedida é produzir
um nível de demanda total que seja
igual a ele. Por definição, portanto,
não haverá pressão inflacionária.
Neste caso, será o saldo em conta
corrente necessariamente nulo,
como afirma, implicitamente, a
proposição? Quando há liberdade
de movimento de capitais, o livro-texto ensina que isso só se verificará quando a taxa de juro real interna for igual à externa, condição que
está longe de verificar-se no Brasil.
Fixada a oferta (o PIB máximo),
a soma das demandas (consumo +
investimento + gasto do governo +
saldo em conta corrente) será, por
construção, igual a ele. Cada uma
delas, por sua vez, será determinada no mercado por três preços críticos: o salário real, a taxa de juro
real e a taxa de câmbio real.
Nas condições impostas, quando
uma delas aumenta, as outras têm
de diminuir. A melhor aproximação da taxa de câmbio real, a variável que juntamente com o nível do
PIB determina o saldo em conta
corrente, é a relação salário/câmbio. Quando há liberdade de movimento de capitais e a taxa de juro
real interna for maior do que a do
resto do mundo, a taxa cambial
(que agora é o preço de um ativo, e
não um preço relativo) estará fora
do equilíbrio. Nesse caso, o preço
"errado", a relação entre salário
(determinado endogenamente) e
câmbio (determinado exogenamente) pode, perfeitamente, acomodar saldo negativo em conta
corrente sem que haja excesso de
demanda global interna.
O grande economista e sociólogo
Vilfredo Pareto (1848-1923) dizia
que um simples e miserável fato é
suficiente para assassinar a mais
bela e sofisticada teoria. Olhemos
um fato assassino. O tempo é 1998,
e o espaço é o Brasil. O fato é o seguinte:
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Diante desses números, alguém
ousaria dizer que o "déficit em conta corrente é condição suficiente
para demonstrar que existe um excesso de demanda global"?
É claro que este pode revelar-se
por muitos fatores, inclusive um
déficit em conta corrente, mas não
apenas por ele.
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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