São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Em briga de touros, quem morre é o sapo

FRANCISCO DE ASSIS AZEVEDO


Pode alguém que faz doações aos fundos da infância indicar a organização social que vai receber o recurso?

TODA DISCUSSÃO sobre fundos da infância faz lembrar uma fábula do escritor grego Esopo, que tem o seguinte desfecho: "Em briga de touros, quem morre é o sapo". A história conta que um sapo indefeso é pisoteado no campo por touros que travavam uma luta entre si.
Exageros à parte, isso nos leva a uma importante reflexão. A discussão entre empresas e fundações, Ministério Público e conselhos dos direitos da criança e do adolescente pode prejudicar os principais interessados, as crianças brasileiras?
Não há dúvida de que todas as partes envolvidas têm interesses idôneos na questão. A discussão, porém, não pode perder de vista a essência para ficar apenas no campo das formalidades, da burocracia e do legalismo.
A legislação brasileira permite que pessoas físicas e jurídicas deduzam do Imposto de Renda devido as doações feitas aos fundos da infância, limitados a 6% e 1%, respectivamente. A discussão central é: pode alguém que doa recursos aos fundos da infância indicar a organização social que vai receber o recurso?
Os fundos da infância foram criados em 1991 com a finalidade de captar recursos para a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes, especialmente aquelas em situação de risco social.
As empresas, entretanto, só passaram a olhar com mais atenção para os fundos quando, em 2001, entre outras iniciativas, foi criado o projeto Fundo Amigo. Parceria do então Instituto Telemig Celular com a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), o Fundo Amigo estimulava as empresas do Estado a destinar 1% do Imposto de Renda devido aos fundos da infância e a motivar seus funcionários a fazer o mesmo. Em apenas três anos, o volume de recursos destinados aos fundos em Minas Gerais aumentou mais de 50 vezes.
Em decorrência do sucesso do projeto, o Fundo Amigo tornou-se nacional a partir de 2004, por meio de uma parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos e o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).
Percebendo esse potencial, outros Estados iniciaram campanhas e criaram mecanismos mais eficientes de captação de recursos para os fundos da infância. Com o aumento de recursos, o Ministério Público, cumprindo seu papel, passou a dedicar maior atenção aos fundos.
Em parceria com empresas, alguns conselhos criaram formas de captação que permitiam ao doador escolher a organização ou o projeto que receberia a totalidade ou parte dos recursos. Esse procedimento levou o nome de "doação casada", o que, na interpretação de alguns, fere a autonomia dos conselhos.
Aí está a questão. Hoje, são duas as formas de planejar a aplicação dos recursos. Os conselhos podem selecionar projetos e destinar o dinheiro de acordo com o montante disponível ou podem dar às organizações proponentes a possibilidade de elas próprias atraírem recursos. No primeiro caso, cabe ao conselho ser o captador ou aguardar a boa vontade dos doadores. No segundo, cria-se uma grande e motivada rede de captadores.
Não é necessário conjecturar sobre os resultados práticos de um e de outro modelo. Basta olharmos para os fundos das cidades do Rio de Janeiro, que adota o primeiro modelo, e de São Paulo, que adota o segundo. No caso carioca, desde que se adotou esse modelo, o volume de recursos só vem caindo. Passou de R$ 1,7 milhão em 2004 para R$ 332 mil em 2007. No caso da capital paulista, que adota o segundo modelo, os recursos aumentaram de R$ 3 milhões em 2004 para R$ 40 milhões em 2007.
Ainda é preciso avançar muito de ambos os lados. Os doadores precisam entender melhor o papel dos conselhos, e os conselhos precisam ser estruturados, para que possam exercer com mais eficiência o seu papel em relação aos fundos. Além disso, o Poder Executivo precisa ser mais ágil na liberação dos recursos dos fundos da infância.
Diante da discussão, surge agora a proposta de resolução do Conanda, que aponta caminhos que estimulam a doação pelas empresas e pessoas físicas aos fundos da infância sem tirar a autonomia dos conselhos e, ao mesmo tempo, os orienta a fazer diagnósticos e planos de aplicação dos recursos dos fundos.
Espera-se que a assembléia do Conanda, que deverá votar a resolução hoje e amanhã, aprimore ainda mais a proposta e marque o início de uma nova história ao impulsionar organizações que utilizam recursos dos fundos da infância a atender milhares de crianças e adolescentes em situação de risco social.


FRANCISCO DE ASSIS AZEVEDO , 52, administrador de empresas, é diretor-executivo do Instituto Camargo Corrêa e idealizador do Pró-Conselho e do Fundo Amigo.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Marco Antonio Villa: Os novos mandões municipais

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.