São Paulo, Sexta-feira, 13 de Agosto de 1999
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Sexta-feira 13

JOSÉ SARNEY

Não tenho superstições, sou o próprio supersticioso. Vivo a descobrir eflúvios secretos de cores, coisas, pessoas, objetos. Mas excluí o 13, agosto e sexta-feira de influências negativas. Sexta-feira é até um dia simpático.
Este ano tem suas encantarias e desperta prudência: de saída três noves, 1999. É véspera de 2000, fim de século, ano que tem a curiosidade de um fevereiro de 29 dias, o que só ocorre, em virada de século, de 400 em 400 anos. É a segunda vez, depois do calendário gregoriano de 1582.
Compõe o cenário a invenção de um apocalipse, que coincidiria com o eclipse total do Sol, dia 11, acabando o mundo na quarta-feira, como o Carnaval.
Paul Valéry, citado por Jay Gould nas suas "Conversas sobre o Fim do Mundo", diz que o "destino de toda espécie é acabar. A sobrevivência é a exceção". O homem é muito jovem na história da Terra, que tem 4,5 bilhões de anos. Nossa espécie, somente 200 mil anos! Mesmo jovens, contraímos a mania de que nosso fim está próximo. Dizem que a culpa é da Bíblia com a ameaça do fim dos tempos.
O mundo já acabou algumas vezes e em outras escapou ileso. Dizem os fósseis que no Período Permiano, há 250 milhões de anos, 95% das espécies desapareceram. Entre o Cretáceo e a Era Terciária caiu um objeto extraterrestre gigantesco e, no impacto, levou os dinossauros, aqueles bichinhos frágeis, grandes, de cabeça pequena.
O arcebispo Ussher, da Irlanda, no século 17, fez uma cronologia baseada em estudos sagrados e descobriu que o mundo foi criado em 23 de outubro, ao meio-dia, no ano 4004 antes de Cristo, e que iria acabar em 23 de outubro de 1997, também ao meio-dia. Já quando veio o primeiro milênio, surgiu o pânico de que o fim seria em 1033, mil anos depois da ressurreição de Jesus. O religioso Müntzer anunciou que acabaria em 1525. O adventista Miller deu a data de 1840, e o criador das Testemunhas de Jeová, a de 1914. Sem televisão nem Internet, nossos antepassados, ignorantes de muita coisa, sofreram as angústias e o medo desses anúncios.
Eu posso calcular um pouco. Menino, 1936, em São Bento, cidade que tanto estimo e ligada indelevelmente à minha infância, anunciaram o fim do mundo, com a prudência de dizer que antes o sinal era a vinda do diabo. Ele chegaria anunciando o fim dos tempos, e, para contê-lo, o remédio era colocar uma cruz na parte posterior da porta de entrada das casas. Meu avô, prudente, providenciou logo o antídoto, pintado de preto. Ficamos protegidos. Quantas noites (como guardei na memória) pensava que o diabo estava chegando, e com ele o fim do mundo. Ladainhas, procissões, exorcismos mobilizaram aquele povo de fé e, graças a esse fervor, a Terra não acabou naquele tempo, serviço prestado pelo Maranhão ao mundo!
Sobreviventes de tantos apocalipses, saudemos a ressurreição de todos nós, resistentes a tudo: gato preto, jacaré empalhado, pinguim de geladeira, os tubs, o goleiro do México, Monica Lewinsky, o Beijoqueiro, mesmo sendo sexta-feira 13, mês de agosto.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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