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Convite à corrupção
Necessidade de reduzir ao mínimo número de cargos de indicação política no governo sumiu do debate eleitoral
NOS MOMENTOS mais
agudos da crise do
mensalão, dentro da
tradição casuística
que perpassa amplos setores da
classe política brasileira, reduzir
ao mínimo a quantidade de cargos públicos de livre provimento
era bandeira defendida em bloco. Passada a fase crítica, a idéia,
convenientemente, refluiu.
Ainda que de modo tímido, a
Mesa da Câmara dos Deputados
ensaia agora um passo no combate à chaga do empreguismo
político. Ontem foi aprovado um
ato administrativo que autoriza
a demissão de 1.163 servidores de
um total de 2.365 cargos de confiança -chamados de CNEs
(Cargos de Natureza Especial).
Contratados sem concurso e
com salário entre R$ 1.500 e R$
8.200 mensais, as pessoas alocadas nessas funções deveriam
prestar assessoria a órgãos técnicos, mas a maioria é deslocada
para gabinetes de parlamentares
em Brasília ou nos Estados. Além
de reduzir à metade os cargos,
quer-se também proibir que os
funcionários indicados para os
postos remanescentes trabalhem fora do Congresso ou em
gabinete de deputados.
Na hipótese de frutificar -a
proposta decerto vai encontrar
resistência entre os próprios integrantes da Mesa, detentores de
diversos cargos para distribuição
entre aliados-, a medida da Câmara extinguiria apenas uma
parcela diminuta dos cargos de
confiança na administração pública federal.
O número de postos de livre
provimento no Brasil segue intolerável. Estima-se que, apenas
no governo federal, eles fiquem
em torno de 18 mil. Além de
constituir um óbice à consolidação de uma burocracia pública
profissional e estável, o livre provimento está no centro da cultura clientelista e das barganhas
instaladas no seio do poder público brasileiro. Funciona como
verdadeiro convite à corrupção.
Criados para permitir a formação de blocos homogêneos de
poder e reforçar os laços de lealdade às chefias, esses postos se
tornaram moeda de troca entre
políticos que necessitam de empregos, partidos que precisam de
fundos e governos em busca de
sustentação parlamentar. O
mensalão só veio à tona, vale
lembrar, por conta de um choque
entre partidos aliados ao governismo em disputa por cargos nos
Correios -a estatal que neste
ano, em um ato simbólico da desfaçatez com que o governo Lula
trata o assunto, foi novamente
loteada sob critérios políticos.
O debate em torno da redução
dos cargos de livre provimento
segue ausente do processo eleitoral. É preciso exigir clareza dos
candidatos a respeito da forma
como pretendem enfrentar o
problema. Do contrário, mesmo
que prosperem as iniciativas da
Câmara, o combate ao compadrio, ao gasto desmedido e à corrupção não passará de retórica de campanha.
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