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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
O Brasil está preparado para continuar
crescendo a uma taxa de 6%?
NÃO
Bom, mas efêmero
CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES
O
IBGE revelou nesta semana
que o PIB brasileiro se expandiu em pouco mais de 6% nos
quatro trimestres compreendidos entre junho de 2007 e junho de 2008. É
um número bom para nossos padrões
históricos, sem dúvida. Além disso, a
composição do crescimento mostrou-se saudável, dada a forte expansão do investimento de mais de 16%.
Em que pese isso, não creio que se
justifiquem maiores euforias, dado
que as boas taxas que temos colhido
nos últimos trimestres não devem se
mostrar duradouras.
O Brasil, até poucos anos atrás, vinha crescendo a taxas próximas a míseros 3% e, em meio à decepção, muitos economistas apontavam para vários empecilhos estruturais que nos
impediam de crescer mais vigorosamente. De súbito, a partir de 2006,
nossa economia começou a crescer
nas redondezas dos 5%, abrindo espaço para duas possíveis interpretações.
A primeira é que o clamor por reformas estruturais era exagerado, visto que, mesmo sem termos aprovado
praticamente nada de relevante nos
últimos anos, a taxa de crescimento
se elevou mais que modestamente.
A segunda defende que, mesmo
sem termos melhorado a qualidade
das políticas públicas domésticas, o
crescimento vivenciou uma mudança
de patamar simplesmente porque os
ventos externos sopraram muito favoravelmente. Com exceção do último mês, o preço das coisas que vendemos ao mundo subiu, e muito. Conseqüentemente, ficamos mais ricos e
atraímos mais investimentos. Uma
história de sucesso sem mérito.
Há um resquício de verdade na primeira das interpretações sugeridas. A
pesquisa acadêmica recente indica
que saltos de crescimento são fenômenos relativamente comuns e, muitas vezes, sem clara conexão com
grandes reformas. Mas os estudos
também revelam que a duração dessas arrancadas é maior quando na sua
raiz estão mudanças estruturais -as
tais das reformas.
Trocando em miúdos, não se consegue crescer a taxas elevadas por
muitos anos sem melhora na qualidade institucional do país. Não creio,
pois, que os 6% de hoje se repetirão
continuadamente, menos pelo efeito
do endurecimento da política monetária -que começará a se fazer sentir
nos próximos trimestres- e mais pela virtual ausência de reformas.
Ressalte-se que importa pouco
crescer muito só por alguns anos. O
grande trunfo é crescer consistentemente por muitos anos. Uma economia que cresce 3% por 50 anos seguidos mais que quadruplica sua renda.
A taxa de crescimento dos EUA nos
últimos cem anos é próxima a 2%, por
exemplo. O milagre do desenvolvimento está na constância, não nas arrancadas. Como torná-lo realidade?
Por ser a lista de "exigências" razoavelmente extensa, mencionarei
pontos que me parecem cruciais.
Primeiro, melhorar a qualidade do
capital humano do trabalhador brasileiro. Para isso, não basta alocar mais
dinheiro para educação, é preciso
principalmente assegurar que ele seja
bem gasto. Precisamos, portanto, de
uma reforma administrativa que aumente a eficiência no provimento de
bens públicos em geral, com ênfase
para educação e saúde.
Segundo, precisamos melhorar o
clima de negócios no Brasil, tornando
os procedimentos burocráticos mais
ágeis e os códigos legais mais simples
e céleres. Mais uma vez, a pesquisa
empírica recente mostra que melhoras nesses itens são mais importantes
do que pensávamos anteriormente.
Terceiro, precisamos reduzir o fardo do Estado sobre a sociedade e, para
isso, urge uma reforma fiscal que ponha fim ao aumento ininterrupto das
transferências (leia-se Previdência)
iniciado no começo dos anos 1990.
Quarto, precisamos devolver às
agências reguladoras seu papel de ordenar e fiscalizar os grandes setores
de infra-estrutura, pois, sem maior
segurança institucional, não conseguiremos reduzir o enorme diferencial de infra-estrutura que se impôs
entre nós e os países do leste asiático.
É possível que o leitor esteja pessimista, pensando que nossos políticos
nunca se empenharão em tocar para a
frente todas essas reformas. Para isso,
há um remédio, ainda que imperfeito:
a reforma política, mãe de todas as
outras. Apenas aproximando mais o
político do eleitor, via sistema de voto
distrital, é possível ver alguma luz no
fim do túnel.
CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES , doutor em
economia, é professor de economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) e autor
do livro "Economia sem Truques".
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