São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O Brasil está preparado para continuar crescendo a uma taxa de 6%?

NÃO

Bom, mas efêmero

CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES

O IBGE revelou nesta semana que o PIB brasileiro se expandiu em pouco mais de 6% nos quatro trimestres compreendidos entre junho de 2007 e junho de 2008. É um número bom para nossos padrões históricos, sem dúvida. Além disso, a composição do crescimento mostrou-se saudável, dada a forte expansão do investimento de mais de 16%.
Em que pese isso, não creio que se justifiquem maiores euforias, dado que as boas taxas que temos colhido nos últimos trimestres não devem se mostrar duradouras.
O Brasil, até poucos anos atrás, vinha crescendo a taxas próximas a míseros 3% e, em meio à decepção, muitos economistas apontavam para vários empecilhos estruturais que nos impediam de crescer mais vigorosamente. De súbito, a partir de 2006, nossa economia começou a crescer nas redondezas dos 5%, abrindo espaço para duas possíveis interpretações.
A primeira é que o clamor por reformas estruturais era exagerado, visto que, mesmo sem termos aprovado praticamente nada de relevante nos últimos anos, a taxa de crescimento se elevou mais que modestamente.
A segunda defende que, mesmo sem termos melhorado a qualidade das políticas públicas domésticas, o crescimento vivenciou uma mudança de patamar simplesmente porque os ventos externos sopraram muito favoravelmente. Com exceção do último mês, o preço das coisas que vendemos ao mundo subiu, e muito. Conseqüentemente, ficamos mais ricos e atraímos mais investimentos. Uma história de sucesso sem mérito.
Há um resquício de verdade na primeira das interpretações sugeridas. A pesquisa acadêmica recente indica que saltos de crescimento são fenômenos relativamente comuns e, muitas vezes, sem clara conexão com grandes reformas. Mas os estudos também revelam que a duração dessas arrancadas é maior quando na sua raiz estão mudanças estruturais -as tais das reformas.
Trocando em miúdos, não se consegue crescer a taxas elevadas por muitos anos sem melhora na qualidade institucional do país. Não creio, pois, que os 6% de hoje se repetirão continuadamente, menos pelo efeito do endurecimento da política monetária -que começará a se fazer sentir nos próximos trimestres- e mais pela virtual ausência de reformas.
Ressalte-se que importa pouco crescer muito só por alguns anos. O grande trunfo é crescer consistentemente por muitos anos. Uma economia que cresce 3% por 50 anos seguidos mais que quadruplica sua renda.
A taxa de crescimento dos EUA nos últimos cem anos é próxima a 2%, por exemplo. O milagre do desenvolvimento está na constância, não nas arrancadas. Como torná-lo realidade? Por ser a lista de "exigências" razoavelmente extensa, mencionarei pontos que me parecem cruciais.
Primeiro, melhorar a qualidade do capital humano do trabalhador brasileiro. Para isso, não basta alocar mais dinheiro para educação, é preciso principalmente assegurar que ele seja bem gasto. Precisamos, portanto, de uma reforma administrativa que aumente a eficiência no provimento de bens públicos em geral, com ênfase para educação e saúde.
Segundo, precisamos melhorar o clima de negócios no Brasil, tornando os procedimentos burocráticos mais ágeis e os códigos legais mais simples e céleres. Mais uma vez, a pesquisa empírica recente mostra que melhoras nesses itens são mais importantes do que pensávamos anteriormente. Terceiro, precisamos reduzir o fardo do Estado sobre a sociedade e, para isso, urge uma reforma fiscal que ponha fim ao aumento ininterrupto das transferências (leia-se Previdência) iniciado no começo dos anos 1990.
Quarto, precisamos devolver às agências reguladoras seu papel de ordenar e fiscalizar os grandes setores de infra-estrutura, pois, sem maior segurança institucional, não conseguiremos reduzir o enorme diferencial de infra-estrutura que se impôs entre nós e os países do leste asiático.
É possível que o leitor esteja pessimista, pensando que nossos políticos nunca se empenharão em tocar para a frente todas essas reformas. Para isso, há um remédio, ainda que imperfeito: a reforma política, mãe de todas as outras. Apenas aproximando mais o político do eleitor, via sistema de voto distrital, é possível ver alguma luz no fim do túnel.

CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES , doutor em economia, é professor de economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) e autor do livro "Economia sem Truques".



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