São Paulo, quarta-feira, 13 de outubro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Tarifas bancárias: um confisco!

JOSÉ LOPEZ FEIJÓO

Havia dez anos éramos obrigados a organizar duros embates, além de árduas e longas negociações, com as indústrias para garantir a renda dos trabalhadores, corroída pela inflação. Atualmente a renda também é carcomida pelas tarifas bancárias, uma vez que estas passaram a ter papel importante na composição das receitas das instituições financeiras brasileiras. A discussão sobre as tarifas, portanto, ultrapassou o âmbito restrito das relações entre empresa e "cliente" e passou a fazer parte da pauta dos sindicatos mais organizados e representativos do país.
Em primeiro lugar, porque é praticamente impossível que o assalariado não utilize os serviços bancários -tendo em vista que as empresas depositam suas folhas de pagamentos na rede bancária. Em segundo, porque os valores cobrados pelos bancos e a crescente evolução das tarifas afetam diretamente o nível de rendimento líquido dos trabalhadores. Logo, trata-se de um problema sindical.
A cobrança desses serviços começou a ser elemento fundamental na mensuração dos cálculos de eficiência bancária a partir do Plano Real. É que, com o início da estabilização dos preços, caíram os ganhos do chamado "floating" -a geração de receita proveniente da captação de recursos sem nenhum custo (entre as principais fontes desses recursos estavam os depósitos à vista, que sofriam a constante corrosão da inflação) e da aplicação dos mesmos nos mercados especulativos.
Esses fatos coincidem com o período em que os bancos intensificaram o processo de reestruturação, reduzindo o número de trabalhadores, ampliando a automação, diversificando os serviços e a cobrança de tarifas, garantindo assim a manutenção de lucros cada vez maiores. Um exemplo disso está na relação receita com prestação de serviços versus despesa com pessoal: em 1994, os bancos arrecadavam com a cobrança de tarifa cerca de 26% do que gastavam com a folha de pagamentos dos bancários. Em 2004, a receita das tarifas em relação à folha de pagamentos chega a ser de mais de 100% em vários bancos.


Demos início a uma campanha para extinguir as tarifas bancárias nas contas em que são depositados os salários
Em julho de 1996, o Banco Central editou a resolução 2.303, que disciplina a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras. Serviços que antes não eram cobrados passaram a ser. Hoje, paga-se tarifa pela manutenção da conta, emissão de extratos, devolução de cheques e solicitação de talões adicionais, entre outros. A Fundação Procon chegou a levantar 42 serviços sujeitos a tarifação. Com isso, em 2003 o lucro acumulado dos 11 maiores bancos do Brasil, entre eles Caixa Econômica Federal, Bradesco e Unibanco, totalizou R$ 13,87 bilhões -segundo estudos da Subseção do Dieese do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
A falta de transparência por parte dos bancos torna o controle do custo desses serviços bastante difícil para a população: a terminologia das tarifas diferencia-se de banco para banco; os valores cobrados não são uniformes; existem "pacotes" de serviços casados que ajudam a obscurecer ainda mais o sistema. Por fim, os extratos bancários constituem um emaranhado de linhas de difícil "decodificação" pelo cliente.
No caso dos trabalhadores, existe mais um agravante. Questões como eficiência e justiça, teoricamente as bases da concorrência, são totalmente ignoradas quando se trata de contas nas quais são depositados os salários. Toda a negociação é feita entre bancos e empresas. O empregado não tem o direito de escolher o banco pelo qual quer receber seu salário, sendo obrigado a abrir conta corrente na instituição escolhida pela empresa, que, é óbvio, deposita sua folha de pagamentos nos bancos que lhes oferecem mais benefícios. O trabalhador fica refém do banco e é usado como moeda de troca. E ainda paga -e muito- para movimentar a conta em que seu salário é depositado.
Segundo estimativas preliminares das subseções da CUT Nacional e do Sindicato dos Bancários de São Paulo, um correntista desembolsa entre R$ 255 e R$ 323 por ano para manter sua conta no banco. Isso é confisco!
Precisamos acabar com essa dilapidação dos salários. Para tanto, propomos ao movimento sindical organizado que se junte a nós nessa luta, pressionando as empresas para que exijam dos bancos o fim das taxas cobradas nas contas correntes dos seus funcionários.
No ABC, onde os trabalhadores de indústrias como Daimler-Chrysler, Scania e Panex já não pagam mais por esses serviços, demos início a uma campanha para extinguir as tarifas bancárias nas contas correntes em que são depositados os salários, sejam as chamadas contas-salário ou aquelas com as quais os trabalhadores normalmente operam. Começamos enviando cartas para as empresas, solicitando reuniões para que possamos negociar o fim das taxas nessas contas. Se o resultado não for positivo, estamos preparados para mobilizar os trabalhadores em todas as fábricas da região para um forte embate com os bancos.
José Lopez Feijóo, 54, é o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

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