São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 2006

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JOSÉ SARNEY

A vida é frágil

A HUMANIDADE deve a Kennedy e a Kruchev a sua sobrevivência, pois, se fossem Stálin e Bush que tivessem, naqueles dias da crise dos mísseis, os botões para apertar, talvez não estivéssemos aqui. O risco de uma catástrofe definitiva, enquanto houver uma ogiva nuclear, é inaceitável.
Essa ameaça se concretiza na ilusão de que é possível vencer uma guerra nuclear. Assim pensam Paquistão e Índia, Irã e Israel. Agora temos de volta os testes nucleares com a irresponsabilidade da Coréia do Norte, num esforço de afirmação diante do progresso material e cultural da Coréia do Sul.
Tive a oportunidade de acabar, com Raúl Alfonsín, essa corrida entre Brasil e Argentina. Ela foi sepultada pelas visitas que realizamos eu e o presidente Alfonsín aos centros de pesquisa nuclear de Pilcaniyeu, na Argentina, e de Aramar, no Brasil. As duas bases, cercadas pelo sigilo com que eram conduzidos os programas nucleares, foram repentinamente abertas à visitação dos chefes de Estado.
Apesar dos sinais que acontecem a cada momento, vamos perdendo a noção de como é frágil a segurança que temos com os programas da Agência Internacional de Energia Atômica e com o Tratado de Não-Proliferação. O TNP permitiu aos cinco países que declaradamente detinham a tecnologia manter seus arsenais. A Rússia e os Estados Unidos têm, cada um, mais de 7.000 ogivas nucleares; a França, a Inglaterra e a China têm algumas centenas cada, quantidade capaz de destruir várias vezes a vida na face da Terra. E, com sua conivência, tácita ou explícita, a eles juntaram-se Israel (de cem a 300 bombas), Paquistão (até cem), Índia (até cem) e, possivelmente, o Irã. A Coréia do Norte, que faz a sua entrada formal nesse clube, teria até sete ogivas prontas.
O tratado bilateral russo-americano que prevê a redução dos arsenais de cada um dos dois países a entre 1.700 e 2.200 ogivas nucleares, até 2012, não prevê a destruição dos mísseis ou das próprias ogivas desarmadas. Segundo a Condoleezza, as bombas desativadas podem ser "destruídas, ou postas de lado para fornecer peças de reposição, ou utilizadas para substituir outras ogivas, ou estocadas".
Ao mesmo tempo, continuam os estudos para a produção de bombas de fusão pura e para a produção de bombas "limpas", que penetrariam em defesas para explodir em profundidade. A paz definitiva só se constrói sem armas, e não existirá realmente enquanto não acabarmos com a ameaça nuclear. Isso não pode ser um sonho e não é responsabilidade de um só país: o mundo tem que tomar uma decisão. O que a Coréia do Norte avisa é que a vida é frágil.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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