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JOSÉ SARNEY
A vida é frágil
A HUMANIDADE deve a Kennedy e a Kruchev a sua sobrevivência, pois, se fossem
Stálin e Bush que tivessem, naqueles dias da crise dos mísseis, os botões para apertar, talvez não estivéssemos aqui.
O risco de uma catástrofe definitiva, enquanto houver uma ogiva
nuclear, é inaceitável.
Essa ameaça se concretiza na ilusão de que é possível vencer uma
guerra nuclear. Assim pensam Paquistão e Índia, Irã e Israel. Agora
temos de volta os testes nucleares
com a irresponsabilidade da Coréia
do Norte, num esforço de afirmação diante do progresso material e
cultural da Coréia do Sul.
Tive a oportunidade de acabar,
com Raúl Alfonsín, essa corrida entre Brasil e Argentina. Ela foi sepultada pelas visitas que realizamos eu e o presidente Alfonsín aos
centros de pesquisa nuclear de Pilcaniyeu, na Argentina, e de Aramar, no Brasil. As duas bases, cercadas pelo sigilo com que eram
conduzidos os programas nucleares, foram repentinamente abertas
à visitação dos chefes de Estado.
Apesar dos sinais que acontecem
a cada momento, vamos perdendo
a noção de como é frágil a segurança que temos com os programas da
Agência Internacional de Energia
Atômica e com o Tratado de Não-Proliferação. O TNP permitiu aos
cinco países que declaradamente
detinham a tecnologia manter seus
arsenais. A Rússia e os Estados
Unidos têm, cada um, mais de
7.000 ogivas nucleares; a França, a
Inglaterra e a China têm algumas
centenas cada, quantidade capaz
de destruir várias vezes a vida na
face da Terra. E, com sua conivência, tácita ou explícita, a eles juntaram-se Israel (de cem a 300 bombas), Paquistão (até cem), Índia
(até cem) e, possivelmente, o Irã. A
Coréia do Norte, que faz a sua entrada formal nesse clube, teria até
sete ogivas prontas.
O tratado bilateral russo-americano que prevê a redução dos arsenais de cada um dos dois países a
entre 1.700 e 2.200 ogivas nucleares, até 2012, não prevê a destruição dos mísseis ou das próprias ogivas desarmadas. Segundo a Condoleezza, as bombas desativadas podem ser "destruídas, ou postas de
lado para fornecer peças de reposição, ou utilizadas para substituir
outras ogivas, ou estocadas".
Ao mesmo tempo, continuam os
estudos para a produção de bombas de fusão pura e para a produção
de bombas "limpas", que penetrariam em defesas para explodir em
profundidade.
A paz definitiva só se constrói
sem armas, e não existirá realmente enquanto não acabarmos com a
ameaça nuclear. Isso não pode ser
um sonho e não é responsabilidade
de um só país: o mundo tem que tomar uma decisão.
O que a Coréia do Norte avisa é
que a vida é frágil.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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