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FERNANDO GABEIRA
Uma semana emergente
NA NATAÇÃO, voltei ao pé de
pato para reforçar a batida
de perna. Por acréscimo,
senti melhoras na flutuação. Interrompi um livro que descreve alguns lances da história moderna da
Índia para escrever uma resenha
sobre o livro de Jack Lang: "Mandela, uma Lição de Vida". E como
estava fazendo tudo isso nos intervalos das peripécias brasileiras,
posso concluir que foi uma semana
emergente.
Em "Tentações do Ocidente"
(Picador), de Pankaj Mishra, o foco
se concentra na Caxemira, mas vemos como a história moderna da
Índia estimula a comparação com
o Brasil. A democracia lá passou
por provas mais duras, por causa
dos conflitos religiosos envolvendo
hindus, muçulmanos e sikhs.
Mas a trajetória do partido de
Nehru, tendo de conviver com políticos corruptos e buscando em alguns momentos uma obediência
desqualificada nas suas bases, poderia até sugerir uma comparação
com a trajetória da esquerda brasileira. E Bolywood, a poderosa indústria do cinema, não em relação
à nossa frágil cinematografia, mas
com a fábrica de novelas da Globo.
O livro de Mandela, que leio ao
sabor das obstruções e discursos
repetitivos (estou aqui há 13 anos),
desperta alguma nostalgia da gravidade dos problemas do passado:
luta armada ou pacífica? Como se
comportar na prisão? A que momento se deve interromper uma
greve?
Os temas ficaram mais prosaicos. Há um grande movimento na
banca diante do Congresso. É a revista com Mônica Veloso nua. E
sinto que, apesar da vulgaridade,
nossa democracia acabou sendo a
mais tolerante, no sentido político,
mas também sexual. Bolywood,
com música e emoção, tem os seus
limites ao se endereçar a imensas
massas rurais na Índia.
E Nelson Mandela teve de lutar
já fora do poder para convencer
seus sucessores sobre a importância do combate à Aids. Com o novo
pé de pato, sinto-me um verdadeiro emergente, pronto para pensar
semelhanças e diferenças.
No prefácio do livro de Lang, Nadine Gordimer lembra um personagem que diz ser assombroso viver num país que precisa de heróis.
Aqui já não precisamos.
Índia e África do Sul têm uma experiência em comum na luta contra o apartheid. Antes de liderar
seu povo, Ghandi viveu na África
do Sul. E os debates entre hindus e
sul-africanos sobre a tática eram
muito mais elevados que as questões de ordem de agora.
O avanço democrático é também
o avanço do tédio? Política e masturbação uniram-se para sempre?
Tudo continua assombroso.
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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