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MARINA SILVA
Tirando o escorpião
das costas
NA ÚLTIMA sexta-feira, Clóvis Rossi relatou a festa de
quase US$ 450 mil promovida pela seguradora AIG para seus
executivos, logo após ser socorrida
pelo governo americano com US$
85 bilhões. É assustador, pela
quantia gasta no socorro a uma
única empresa, pelo custo da celebração absurda, em meio ao desabamento do sistema financeiro; e
por retratar a estupidificação de
uma pequena parcela da humanidade, que, haja o que houver, se vê
protegida num olimpo, atirando
flechas contra os mortais na planície.
Esses casos do entorno da crise
nos falam de uma cultura que não
dá sinais de arrefecer nem diante
do prenúncio do caos. Quantos já
não correm para manipular a desgraça e fazê-la se transformar em
"oportunidade"?
Lembra a fábula do sapo e do escorpião. Em meio à enchente, o escorpião pede ao sapo para levá-lo
às costas até a outra margem do rio.
O sapo hesita porque teme uma picada mortal. "Que nada", diz o escorpião. "Eu não faria uma coisa
dessas com quem está salvando
minha vida!". Convencido, o sapo
inicia a travessia. E leva a picada fatal: "Por que, se você vai morrer
junto comigo?" Antes de ser tragado pela correnteza, o escorpião responde: "Desculpe, mas essa é a minha natureza".
Há nisso tudo uma questão de
fundo: a hipertrofia financista comandando a vida social. No mundo
imaginário do planeta dinheiro,
ninguém e nada tem existência fora do seu valor monetário e do potencial para multiplicar cifras,
mesmo que artificialmente. Nesse
mundo, o Estado é continuamente
instado a se afastar para dar lugar à
exuberante "generosidade" dos ganhos fartos. Quando a coisa vai
mal, como agora, corre-se para o
colo do Estado, a fim de que solucione a crise e divida os prejuízos
com a sociedade. Escrevo enquanto o FMI faz sua reunião anual em
Washington. Será que há esperança de que essa rotina comece a mudar?
A solução não pode ser estatal
nem econômica, ela é política. Mas,
cerceada pelas razões puramente
econômicas, quando entra em cena, a política o faz fragilizada, subjugada e sem traquejo para operar
o que é de sua natureza: a defesa do
interesse público. Os interlocutores são inseguros, as respostas demoram, safam-se aqueles que originaram o abalo. Com o espaço de
decisão política obstruído, aos cidadãos resta a solidão da perplexidade. O que virá? Depressão, desemprego, inflação? Quanto dessa
crise mundial atingirá o Brasil?
Quaisquer que sejam as respostas, uma conclusão já podemos tirar. Está mais do que na hora de fazermos a travessia, só que sem o escorpião nas costas.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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