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JOSÉ SARNEY
Identidade nacional
LEIO UM jornal europeu. Ele
está cheio de comemorações
da queda do Muro de Berlim.
Bem escritas, com abonações históricas e culturais.
Descubro, por uma entrevista
com Kohn, chanceler alemão àquele tempo, 1989, que todos os líderes
mundiais eram contrários à reunificação da Alemanha, a começar
por Margareth Thatcher, que, furibunda, destilava, bem a seu estilo,
virulento combate. E essa revelação simplória: "Só Felipe Gonzalez,
da Espanha, desde a primeira hora
me apoiou...".
Continuo a ler o jornal, a cada
página encontrando coisas interessantes como não é fácil encontrar-se na imprensa de modelo americano, em que o escândalo é a notícia e o resto é quase nada, como dizia o cardeal português em "A Ceia
dos Cardeais", de Júlio Dantas. Paro numa matéria que tem o instigante título "Ser francês é...". É debate que está despertando grande
rebuliço, comandado pelo ministro
da Imigração, um discutido ex-socialista, Eric Besson, sobre a identidade de ser francês.
O debate prossegue, mas milhares de cidadãos nele já tomaram
parte. Uns, de gozação, dizem que
ser francês é cantar a Marselhesa;
outro, que é "ser um cidadão livre e
jamais cantar as estrofes infames e
guerreiras da Marselhesa". Mas,
em grande parte, uma coisa perpassa em todos: o orgulho de uma
França que tem a cultura como sua
primeira preocupação.
E me deu a vontade de pensar
numa enquete dessas no Brasil.
Qual a identidade de ser brasileiro
num mundo invadido pela globalização, em que a cultura erudita é
importada em enlatados? Sobrevivemos pela identidade que nos é
dada pela cultura popular. E, ainda
mais, com as novas tecnologias da
informação, que influenciam e
moldam o caráter e o modo de ser
das pessoas, e quando sabemos que
há 120 milhões de celulares que, no
futuro, receberão conteúdo de
companhias estrangeiras, pois são
unicamente elas as donas da telefonia no país.
Com o avanço das comunicações, o que se diz é que dominarão
o mercado, sendo as televisões e
jornais apenas fornecedores.
O que será nesse mundo a nossa
identidade? Ainda hoje ela é visível
na cultura da música, poderosa
música popular brasileira, a cultura do Carnaval, da praia, do botequim, do futebol e do gosto da convivência. Meus netos já não têm
nem o Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Só Batman e o Super-Homem, com
a sua sunga vermelha tão apreciada
pelo Suplicy.
Eu sempre responderei que a
identidade do Brasil é a cultura da
alegria, marca do brasileiro, que
não perde a esperança nem com a
violência e as drogas das grandes
cidades. Mas fico com receio de
que, se alguém perguntar a um neto qual a identidade de ser brasileiro, ele responda: "É cantar o hino
do Flamengo". Também.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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