São Paulo, sexta-feira, 13 de novembro de 2009

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JOSÉ SARNEY

Identidade nacional

LEIO UM jornal europeu. Ele está cheio de comemorações da queda do Muro de Berlim. Bem escritas, com abonações históricas e culturais.
Descubro, por uma entrevista com Kohn, chanceler alemão àquele tempo, 1989, que todos os líderes mundiais eram contrários à reunificação da Alemanha, a começar por Margareth Thatcher, que, furibunda, destilava, bem a seu estilo, virulento combate. E essa revelação simplória: "Só Felipe Gonzalez, da Espanha, desde a primeira hora me apoiou...".
Continuo a ler o jornal, a cada página encontrando coisas interessantes como não é fácil encontrar-se na imprensa de modelo americano, em que o escândalo é a notícia e o resto é quase nada, como dizia o cardeal português em "A Ceia dos Cardeais", de Júlio Dantas. Paro numa matéria que tem o instigante título "Ser francês é...". É debate que está despertando grande rebuliço, comandado pelo ministro da Imigração, um discutido ex-socialista, Eric Besson, sobre a identidade de ser francês.
O debate prossegue, mas milhares de cidadãos nele já tomaram parte. Uns, de gozação, dizem que ser francês é cantar a Marselhesa; outro, que é "ser um cidadão livre e jamais cantar as estrofes infames e guerreiras da Marselhesa". Mas, em grande parte, uma coisa perpassa em todos: o orgulho de uma França que tem a cultura como sua primeira preocupação.
E me deu a vontade de pensar numa enquete dessas no Brasil.
Qual a identidade de ser brasileiro num mundo invadido pela globalização, em que a cultura erudita é importada em enlatados? Sobrevivemos pela identidade que nos é dada pela cultura popular. E, ainda mais, com as novas tecnologias da informação, que influenciam e moldam o caráter e o modo de ser das pessoas, e quando sabemos que há 120 milhões de celulares que, no futuro, receberão conteúdo de companhias estrangeiras, pois são unicamente elas as donas da telefonia no país.
Com o avanço das comunicações, o que se diz é que dominarão o mercado, sendo as televisões e jornais apenas fornecedores.
O que será nesse mundo a nossa identidade? Ainda hoje ela é visível na cultura da música, poderosa música popular brasileira, a cultura do Carnaval, da praia, do botequim, do futebol e do gosto da convivência. Meus netos já não têm nem o Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Só Batman e o Super-Homem, com a sua sunga vermelha tão apreciada pelo Suplicy.
Eu sempre responderei que a identidade do Brasil é a cultura da alegria, marca do brasileiro, que não perde a esperança nem com a violência e as drogas das grandes cidades. Mas fico com receio de que, se alguém perguntar a um neto qual a identidade de ser brasileiro, ele responda: "É cantar o hino do Flamengo". Também.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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