São Paulo, sexta, 13 de novembro de 1998

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Sobre razões de Estado

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Não dá para acreditar que o governo tenha descartado a existência de "razões de Estado" nos episódios do "grampo" telefônico e da suposta empresa de Fernando Henrique Cardoso e sócios em paraíso fiscal.
Qualquer criança de colo faria o seguinte raciocínio:
1 - Caso do "grampo": envolve o maior filão de negócios do fim do século, qual seja o processo brasileiro de privatização. Se alienar patrimônio do Estado em condições de alta vulnerabilidade, como o demonstra o "grampo", não é "razão de Estado", o Estado não tem mais razão de existir.
2 - Caso da CH, J&T Inc: só cabe uma de duas hipóteses.
a - O chefe de Estado tem de fato uma empresa no Caribe. Pode até não ser crime, mas dificilmente escapará da qualificação de "falta de decoro", que levou, aliás, ao impeachment de Fernando Collor.
b - Nem FHC nem os demais mencionados têm qualquer coisa a ver com a empresa. Nesse caso, é a típica situação de chantagem contra o chefe de Estado, gritaria até calouro de escola de corte e costura.
Em qualquer hipótese, dificilmente vai aparecer, neste ou no próximo milênio, algum caso em que a evidência de "razões de Estado" seja tão abundante e tão cristalina.
Se o governo não as enxerga, obriga a que se pergunte: qual a razão de Estado que faz com que agentes do Estado descartem razões de Estado onde elas são abusivamente nítidas?
De quebra, cabe também uma segunda pergunta: se você, leitor, tivesse sido vítima de escuta telefônica clandestina e/ou de tentativa de chantagem, qual seria seu estado de ânimo? Estaria fervendo de indignação, não? Já teria dito umas dez vezes "quando pegar esses caras, eu mato", não é?
Por que, diabos, não se nota indignação nem sequer parecida no governo, nem mesmo entre personagens diretamente envolvidos na chantagem e/ou no "grampo"?



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