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ANTONIO DELFIM NETTO
Superávit primário
O GOVERNO prepara um programa que deve ser amplo,
transparente e, acima de tudo, coerente do ponto de vista aritmético para cooptar o setor privado a ajudar a realizá-lo. Para isso é
fundamental não criar nenhuma
dúvida sobre o equilíbrio fiscal a
ser conquistado pela estabilização
das despesas reais de custeio do governo federal. Esse é o caminho para construir um espaço para aumento dos investimentos em infra-estrutura sem sacrificar um nível
mínimo de superávit primário que
garanta uma redução monotônica
(ainda que pequena) da relação dívida líquida/PIB.
O crescimento sustentado de
longo prazo depende não apenas
do nível de investimento mas também da relação entre o investimento privado no setor produtivo e o
investimento em infra-estrutura
(que pode ser público ou privado,
através de concessões, de PPPs
etc.), devido à enorme externalidade deste último. A situação brasileira mostra isso com clareza: uma
parte importante (muito maior do
que a grande maioria imagina) do
nosso setor produtivo privado
ajustou-se, a duras penas, nos últimos 20 anos, para sobreviver às intempéries produzidas por oito programas de estabilização tentados
desde 1986 -até o sucesso em
1994/95.
Os setores do agronegócio, da indústria e dos serviços aumentaram
de forma muito importante a sua
produtividade. As grandes empresas se encontram no "estado da arte", e as médias e pequenas sobrevivem com imaginação e inovação.
Hoje, o setor privado controla 60%
do PIB e investe 19%, enquanto o
setor público controla 40% e investe 1%. Na verdade, desde o final dos
anos 80, os investimentos em infra-estrutura foram diminuindo
em relação ao PIB e, sem reposição
ou ampliação, lentamente metabolizados, chegando ao estado de indigência em que agora a infra-estrutura se encontra.
Temos um paradoxo: o setor privado é eficiente e produtivo dentro
da sua própria "porteira". E essa
produtividade e eficiência se dissipam no mesmo momento em que
têm de utilizar a infra-estrutura
que foi "consumida". Isso tem produzido diagnósticos lamentáveis
no cálculo macroeconômico da
produtividade total dos fatores ou
na menos sofisticada relação capital/produto.
Persistimos durante anos no erro de aceitar a sugestão cômoda de
aumentar os impostos e cortar os
investimentos para satisfazer às
corretas exigências do FMI de
manter estável a relação dívida líquida/PIB. Agora, para o bem do
desenvolvimento futuro, é melhor
"destravar" a economia, como sugere o presidente, e estabilizar as
despesas reais de custeio do que sacrificar o superávit primário.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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