São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

Superávit primário

O GOVERNO prepara um programa que deve ser amplo, transparente e, acima de tudo, coerente do ponto de vista aritmético para cooptar o setor privado a ajudar a realizá-lo. Para isso é fundamental não criar nenhuma dúvida sobre o equilíbrio fiscal a ser conquistado pela estabilização das despesas reais de custeio do governo federal. Esse é o caminho para construir um espaço para aumento dos investimentos em infra-estrutura sem sacrificar um nível mínimo de superávit primário que garanta uma redução monotônica (ainda que pequena) da relação dívida líquida/PIB.
O crescimento sustentado de longo prazo depende não apenas do nível de investimento mas também da relação entre o investimento privado no setor produtivo e o investimento em infra-estrutura (que pode ser público ou privado, através de concessões, de PPPs etc.), devido à enorme externalidade deste último. A situação brasileira mostra isso com clareza: uma parte importante (muito maior do que a grande maioria imagina) do nosso setor produtivo privado ajustou-se, a duras penas, nos últimos 20 anos, para sobreviver às intempéries produzidas por oito programas de estabilização tentados desde 1986 -até o sucesso em 1994/95.
Os setores do agronegócio, da indústria e dos serviços aumentaram de forma muito importante a sua produtividade. As grandes empresas se encontram no "estado da arte", e as médias e pequenas sobrevivem com imaginação e inovação.
Hoje, o setor privado controla 60% do PIB e investe 19%, enquanto o setor público controla 40% e investe 1%. Na verdade, desde o final dos anos 80, os investimentos em infra-estrutura foram diminuindo em relação ao PIB e, sem reposição ou ampliação, lentamente metabolizados, chegando ao estado de indigência em que agora a infra-estrutura se encontra.
Temos um paradoxo: o setor privado é eficiente e produtivo dentro da sua própria "porteira". E essa produtividade e eficiência se dissipam no mesmo momento em que têm de utilizar a infra-estrutura que foi "consumida". Isso tem produzido diagnósticos lamentáveis no cálculo macroeconômico da produtividade total dos fatores ou na menos sofisticada relação capital/produto.
Persistimos durante anos no erro de aceitar a sugestão cômoda de aumentar os impostos e cortar os investimentos para satisfazer às corretas exigências do FMI de manter estável a relação dívida líquida/PIB. Agora, para o bem do desenvolvimento futuro, é melhor "destravar" a economia, como sugere o presidente, e estabilizar as despesas reais de custeio do que sacrificar o superávit primário.


dep.delfimnetto@camara.gov.br

ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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