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TENDÊNCIAS/DEBATES
Classe média
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Não devemos subestimar os riscos que esse quadro apresenta. A crise que a classe média enfrenta é a própria crise do Brasil
A CLASSE média já teve melhores dias no Brasil. No período
de grande desenvolvimento,
ela desempenhou um papel estratégico e cresceu extraordinariamente. Na
quase estagnação dos últimos 26
anos, entrou em declínio.
Seus anos de glória foram os da industrialização e do nacional-desenvolvimentismo -período entre 1930
e 1980, quando o Brasil crescia a uma
taxa média anual per capita de 4%.
Nos tempos do Império e da República Velha, mal existia, era um estamento de servidores públicos e de
profissionais liberais ligados ao Estado e à classe patriarcal proprietária de
terras.
O quadro mudou entre 1930 e 1960,
quando surgiu uma grande classe média de empresários industriais, comerciais e agrícolas; e mudou novamente nos anos 1970, quando ganhou
prestígio e poder uma nova classe média profissional ou tecnoburocrática
trabalhando para as grandes empresas e para as organizações públicas.
Desde 1980, porém, o país está quase estagnado. Cresce menos de 1% per
capita ao ano, e a grande prejudicada
é a classe média: tanto a burguesa ou
empresarial quanto a profissional.
Foi essa classe média que, associada aos grandes empresários industriais, no início dos anos 1980, liderou
o movimento político pela democracia; foi ela que lutou com denodo contra a injustiça social que o regime militar agravara; mas, em 1985, quando a
transição democrática se completou,
nem a classe média profissional
-que, em todo o mundo, desempenha um papel cada vez mais central-
nem os empresários souberam como
repensar o desenvolvimento econômico que havia sido paralisado cinco
anos antes.
Não souberam pois, preocupados
em combater o autoritarismo e a desigualdade, não haviam dado a importância necessária à autonomia nacional, pressupondo que o desenvolvimento econômico estava assegurado.
Em 1980, quando se desencadeou a
crise, não foram capazes de enfrentar
os novos tempos com novas idéias
-não se mostraram capazes de formular uma estratégia nacional de desenvolvimento para competir com os
países ricos na era do capitalismo global. Em vez disso, se subordinaram a
esses mesmos países.
O velho nacional-desenvolvimentismo fora uma estratégia nacional
bem-sucedida, mas se esgotara; a nova submissão à ortodoxia convencional, ou seja, aos diagnósticos, recomendações e pressões que vinham de
nossos competidores ricos naturalmente não era agora o caminho para o
desenvolvimento econômico.
Sem projeto de nação, sem estratégia nacional de desenvolvimento, o
país parou. Os processos de redistribuição e reconcentração da renda,
porém, não se paralisaram.
A classe alta trocou o desenvolvimento econômico pelos juros altos
pagos pelo Estado que a ortodoxia
convencional lhes oferecia por meio
da política macroeconômica, ao mesmo tempo em que essa mesma ortodoxia oferecia aos países ricos (a si
própria, portanto) câmbio baixo, não
competitivo.
Os pobres, por sua vez, receberam
aquilo que foi tacitamente decidido
no grande acordo da transição democrática: entendeu-se então que a desigualdade radical existente na sociedade brasileira seria enfrentada com
o aumento do gasto público em educação, saúde e assistência social.
Os governos democráticos que se
sucederam cumpriram o acordo, dobrando os gastos sociais em termos de
percentagem do PIB. Os benefícios
não resolveram o problema da injustiça social, mas aliviaram um pouco a
miséria ou a pobreza de muitos.
A classe esquecida -estrangulada
entre os juros dos ricos e os gastos sociais dos pobres- foi a classe média.
Nas últimas eleições, esse quadro
assumiu caráter político: a classe média foi a grande derrotada.
Ora, não devemos subestimar os
riscos que esse quadro apresenta. Um
país será tanto mais próspero e estável politicamente quanto mais ampla
e prestigiada for sua classe média. A
crise que essa classe enfrenta é a própria crise do Brasil. É a crise de todo
um conjunto de idéias que alimentaram a classe média brasileira nos últimos anos. É uma crise que só será resolvida quando ela própria reencontrar a nação e redescobrir o caminho
do desenvolvimento econômico.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 72, professor emérito da FGV-SP, é colunista do caderno Dinheiro . Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e
Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da
Fazenda (governo Sarney). É autor de, entre outras obras,
"Desenvolvimento e Crise no Brasil".
www.bresserpereira.org.br
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