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A Lei da Mata Atlântica: e agora?
FABIO FELDMANN
Espera-se que a Lei da Mata Atlântica surja para ser cumprida, como sinal de esperança para nós e para as futuras gerações
HÁ PRATICAMENTE 20 anos,
foi criada a Fundação SOS
Mata Atlântica, revelando a
preocupação com um dos biomas
mais importantes do planeta do ponto de vista da sustentabilidade, quer
pela importância de sua biodiversidade, quer pelos serviços ambientais
por ela prestados ao povo brasileiro.
Nesses 20 anos, muitas conquistas
foram obtidas no campo ambiental. A
própria mata atlântica se tornou objeto de afeto dos brasileiros, o que se revela em manifestações diárias na mídia e na venda de empreendimentos
imobiliários. Na Constituição de
1988, a mata atlântica foi considerada
"patrimônio nacional", cujo uso ficou
dependente de legislação definidora
de regras claras quanto a sua definição legal, bem como quanto a sua utilização, de modo a assegurar aos brasileiros de hoje e de amanhã a possibilidade de seu usufruto perene.
Como conseqüência, em 1992 foi
proposto o projeto de lei regulamentador da Constituição, ainda no calor
da Conferência do Rio, que marcou o
início do século 21, que consagrou o
conceito do desenvolvimento sustentável. Esse ambiente de entusiasmo
fez com que se subestimassem as dificuldades enfrentadas pelo projeto,
cuja tramitação no Parlamento demandou 14 anos, com o apoio decisivo
dos deputados Luciano Zica, Jaques
Wagner e Zequinha Sarney.
Em um primeiro momento, se quis
restringir à proteção legal a porção da
mata que recobre a serra do Mar, deixando o restante à mercê da especulação imobiliária, como se os problemas
urbanos do país se devessem à ausência de disponibilidade de terras para
atender as demandas habitacionais.
Até 2003, a grande resistência ao
projeto de lei se concentrou nessa discussão, ou seja, praticamente uma década foi perdida.
A partir de 2003, com o empenho
decidido da ministra Marina Silva e
de João Paulo Capobianco e por delegação pública do presidente Lula, o
projeto readquiriu força política, sendo aprovado na Câmara dos Deputados com o entendimento adequado
de que a mata atlântica como um todo
merece proteção legal.
Entretanto, um dispositivo introduzido no decorrer da negociação
bloqueou a tramitação no Senado,
uma vez que, se mantido, poderia
comprometer o erário público com
indenizações milionárias para proprietários de porções de mata atlântica, sendo a atuação do senador César
Borges relevante para a resolução do
conflito. Mais três anos foram exigidos para que o Congresso Nacional
enfim aprovasse uma lei regulamentadora da Constituição de 88.
O resultado contido no projeto de
lei é inovador, pois cria novos mecanismos de estímulo à conservação e à
preservação da mata atlântica. A lei é
condição necessária, mas não suficiente para a proteção desse bioma.
É fundamental a existência de vontade política e liderança para haver
efetivamente fiscalização por parte
dos órgãos governamentais, punição
aos degradadores e estímulos reais
aos proprietários que promovam medidas de conservação e preservação.
Sem isso, a lei será mais um instrumento decorativo a desmoralizar o
poder público pela sua incapacidade
de nos proteger, enquanto cidadãos,
da ação dos sanguessugas do nosso
patrimônio ambiental.
Torna-se necessário, nesse momento de tiroteio contra o licenciamento ambiental e de tentativas de
reduzir ou mesmo eliminar a reserva
legal do Código Florestal, afirmar que
a implementação efetiva da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável traz enormes resistências
por parte de alguns setores da sociedade brasileira, que esquecem das advertências que o aquecimento global
trouxe para a humanidade: não é mais
possível, hoje, que se olhe o mundo
com a visão do século 19.
Diante desse quadro, a continuidade da ministra Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente representa
simbolicamente a clara opção pelo
desenvolvimento sustentável. Parte
das críticas a ela dirigidas se deve ao
descompasso entre a retórica e as
ações práticas, o que fica claro com a
pouca prioridade que é dada em termos orçamentários e institucionais
ao meio ambiente.
Os órgãos ambientais do país sofreram nas últimas décadas inegável esvaziamento. De um lado, novas exigências em consonância com novas
demandas da sociedade, e, de outro, a
incapacidade operacional do setor
público de cumprir e fazer cumprir a
lei. Acrescente-se a isso a má vontade
de setores empresariais arcaicos em
assumir o ônus da sustentabilidade.
Concretamente, se espera que a Lei
da Mata Atlântica surja para ser cumprida, como sinal de esperança para
nós e para as futuras gerações.
FABIO FELDMANN, 51, formado em administração de
empresas e direito, é consultor em desenvolvimento sustentável. Foi deputado federal pelo PSDB-SP, secretário
do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (1995-98) e autor do projeto de lei da mata atlântica.
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