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ALBA ZALUAR
Favela, mercado e lei
DE FÉRIAS em Paris, tentei
trocar produtos diferentes,
porém de mesmo preço, para não alterar o total da nota fiscal.
"Não pode", disse a vendedora, "a
alfândega francesa vai querer ver o
produto especificado, e a senhora
terá problemas". Choque cultural.
Como não pensei nisso? Não havia
nada de errado moralmente, mas
era contra a lei.
Por que nós, brasileiros, priorizamos o critério moral mais facilmente e esquecemos a lei? Aonde
vai a legitimidade da lei? Nem sempre lei e moral se sobrepõem.
Quando estão de acordo, a legitimidade é incontestável. Mas, no Brasil, os espaços não encobertos por
ambas ampliam-se sobremaneira.
E tudo se complica, porque nem
sempre a moral é consensual e regida por critérios de justiça, e há
muitas áreas da economia, da sociedade e da política fora do controle da lei. Mesmo em políticas
públicas cruciais, como a habitação
e o mercado imobiliário, cujo
exemplo mais evidente é a favela.
Tornou-se truísmo dizer que a
favela é solução para a falta de plano habitacional que contemple os
pobres. Mas a favela não é mais a
mesma. As casas hoje são de alvenaria, cada vez mais verticalizadas.
No Rio de Janeiro, os gabaritos
legalmente prescritos são mais altos do que em bairros classe média:
na Rocinha, cinco andares, na colina da Fonte da Saudade, três. Mas,
na favela, gabaritos, arruamentos e
espaços entre as casas usualmente
não são respeitados. Um mercado
imobiliário selvagem alterou as relações de classe no interior da favela de tal modo que não se podem
mais ignorar as enormes distinções entre moradores e entre estes
e outros agentes econômicos e políticos que nela atuam. Policiais
corruptos tornaram-se também
empreendedores imobiliários em
favelas com ou sem milícias. Associações de moradores, controladas
por milícias ou traficantes, demarcam terrenos para vender, permitem ou não a construção de prédios, definem regras para resolução de conflitos na construção e no
aluguel dos valorizados imóveis.
Nas favelas controladas por traficantes, cuja atividade econômica
não é condenada moralmente por
moradores, a informalidade-ilegalidade atingiu as raias do absurdo.
Traficantes expulsam moradores,
tomam casas e exercem justiça implacável, que condena à morte
quem atravessa seus desejos de
grandeza e de poder ilimitados. E
constroem fortalezas, crematórios,
cemitérios clandestinos. Essas são
ações ilegais não-aprovadas moralmente pelos moradores. Foram o
silêncio e a indiferença das autoridades competentes e de alguns especialistas sobre tais ações ilegais e imorais que deixaram criar a tirania na favela.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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