São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2001 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Quem muito se abaixa...
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO e FÁBIO KONDER COMPARATO
Foi o que o Presidente da República (da República?) fez, ao assinar a de nº 2.139-62, em 26 de janeiro passado. Aí ficou dito que "as disponibilidades de caixa dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e dos órgãos ou das entidades do poder público e das empresas por eles controladas poderão ser depositadas em instituições financeiras submetidas a processo de privatização ou na instituição financeira adquirente do seu controle acionário, até o final do exercício de 2010". A novidade do procedimento, escusa dizê-lo, não está no fato de uma medida provisória alterar a Constituição. Ninguém mais presta atenção a esse detalhe, que passou a fazer parte dos nossos costumes políticos. A novidade foi que uma medida provisória, assinada em 26 de janeiro, revogou outra, assinada não anteriormente, mas na mesma data: o artigo 32, da medida provisória nº 2.139-62, revogou expressamente a de nº 2.139-61, ambas datadas de 26 de janeiro de 2001. Só que a primeira foi publicada em 27 de janeiro e a segunda apareceu no "Diário Oficial" dois dias depois (é verdade que o dia 28 fora um domingo). Como é possível isso? Então, o presidente (do quê mesmo?) é capaz de revogar um ato normativo que não chegou a ser publicado oficialmente? Toma uma decisão pela manhã, muda de idéia à tarde e já não pode impedir o funcionamento inexorável da engrenagem burocrática que conduz o texto à imprensa oficial? A verdade é mais escabrosa. As duas medidas provisórias são idênticas, salvo numa disposição: exatamente a que dá a bancos particulares a lucrativa (e inconstitucional) disponibilidade de recursos públicos. Não é difícil descobrir quem está por trás do episódio. Logo após a privatização do Banespa, o Tribunal de Justiça de São Paulo baixou o provimento nº 748/ 2000, vedando a realização de novos depósitos judiciais junto àquele banco e determinando que tais depósitos fossem efetuados doravante na caixa econômica do Estado. É claro que o Banco Santander, novo controlador do Banespa, não gostou nem um pouco da providência administrativa, que certamente levaria o Executivo a fazer o mesmo. Reclamou em Brasília, alegando que havia comprado gato por lebre. O governo da República (?), sempre obsequioso diante do capital estrangeiro, apressou-se em emendar a Constituição no prazo recorde de menos de 24 horas. A moral da história pode ser expressa cruamente pelo ditado que costumávamos ouvir de nossos avós: "Quem muito se abaixa, o rabo lhe aparece". Celso Antônio Bandeira de Mello, 63, é advogado e professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da PUC-SP. Fábio Konder Comparato, 63, é advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor "honoris causa" da Faculdade de Direito de Coimbra. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Rodolpho Tourinho: A oferta de energia no país Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
|