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São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003

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JOSÉ SARNEY

Os alegres sorrisos da guerra

Não é de inspirar confiança nem de orgulhar a humanidade o nível das discussões sobre a iminente guerra contra o Iraque. É a imagem de sorrisos e abraços, risadas e alegria que marca a comunicação visual das reuniões em que se discute essa gravíssima questão. Nem a severidade que devia presidir a alta responsabilidade de lidar com a guerra se vê, nem a face de apreensão de suas consequências transparece nas fotos das reuniões do Conselho de Segurança da ONU, órgão que, embora enfraquecido e acuado, discute a conduta de Saddam e a posição a ser tomada. Parece mais uma festa de confraternização e a discussão de um assunto banal. Do mesmo modo, as entrevistas dos inspetores das Nações Unidas encarregados de saber se o Iraque possui ou não armas de destruição em massa. Eles falam como se estivessem discorrendo sobre uma partida de golfe. Alguns, com uma certa frustração, dizem: "Até agora não encontramos nada". Também nos assusta a sensação de que artefatos ou armas biológicas capazes de acabar com o mundo podem ser escondidos debaixo de um colchão de cama.
Ninguém, nem de leve, pensa nos destinos humanos que estão envolvidos, de mães, esposas, filhos e parentes dos combatentes e civis que estão no corredor da morte.
Afirma-se que o terrorismo condena inocentes. As maiores vítimas de todas as guerras são os inocentes. Os que decidem as guerras não estão no campo de batalha.
Trata-se a guerra como se fosse uma simples "caçada de tigre", como diziam os ingleses na Índia colonizada, quando convidavam alguém para um divertimento perigoso.
Por falar na Índia, lembro-me, eu, que sempre fui um admirador de Churchill, do quanto me chocou ler no seu livro "My Early Life" a descrição de seu entusiasmo sobre a batalha de Ondurman, da qual participou, quando descreve a carnificina das colunas em choque nas cargas de cavalaria e consegue ver a contribuição da luz naquela paisagem de sangue, com o "sol oblíquo a colorir a cena". Mas é o mesmo Churchill quem afirma: "O homem de Estado que cede à febre da guerra deve compreender que, uma vez dado o sinal de partida, ele não é mais o senhor da política, e sim escravo de acontecimentos imprevisíveis e impossíveis de controlar. Sirva-nos isso de lição".
Saddam Hussein é um tirano dos mais abomináveis da história. É responsável por milhares de mortes nas guerras que fez contra os vizinhos, no Irã e no Kuait, pelo trucidamento dos curdos, pela repressão interna brutal que impôs ao seu povo, até mesmo assassinando membros de sua própria família. Mas tanto mal causado ao seu país e à humanidade não pode justificar a destruição em massa de iraquianos, civis desarmados, famintos que tanto padecem. Matá-los numa guerra e destruir esse pobre país é coroar a obra de um execrável tirano. Contra ele os países devem impor todas as sanções e tomar medidas para afastá-lo da comunidade internacional. Mas ir à guerra, como parece estar decidido, é a pior de todas as soluções.
Valha-nos Deus!


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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