São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Quem tem medo da organização social?
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Em essência, a OS é uma sociedade sem fins lucrativos que é contratada pelo governo para cumprir uma missão de relevância social. Em geral, o próprio governo toma a iniciativa de identificar setores em que uma OS pode dar mais retorno para a sociedade em termos de qualidade de serviços, agilidade de resposta a demandas sociais ou de implementação de projetos de longo prazo que exigem uma continuidade administrativa e uma fiscalização social que as instituições tradicionais do Estado brasileiro se mostraram incapazes de prover. E elabora, com cada OS, um documento básico, denominado "contrato de gestão", no qual são estabelecidos deveres e metas de ambas as partes, de tal maneira que, se não forem cumpridos, o contrato pode ser rompido unilateralmente. Anualmente, o contrato precisa ser confirmado, o que estabelece uma saudável dinâmica de avaliação e prestação de contas da OS à sociedade e ao governo que a contratou. Os recursos e o patrimônio público sob gestão da OS são objeto dos mecanismos tradicionais de fiscalização pública. No âmbito federal, por exemplo, a Secretaria Federal de Controle audita as contas e, o que é mais importante, os resultados e o retorno social de cada OS. Só isso representa um imenso avanço na defesa do contribuinte, cujos impostos sustentam a máquina do Estado e que tem direito ao correspondente retorno. Bastaria esse aspecto para assegurar às organizações sociais sua absoluta legitimidade como instrumento de atuação do Estado. Mecanismos tais como formação de comitês de busca e outros podem ser acordados no contrato de gestão. Eis como é possível obter, no Brasil, condições adequadas para o sistema de ciência e tecnologia, equivalente às características das melhores instituições de pesquisa do mundo. O que poucos percebem é que o trabalho em pesquisa é extremamente penoso, exceto para uma minoria que foi, feliz ou infelizmente, aquinhoada com uma personalidade obsessiva. Portanto a maioria dos pesquisadores, mesmo os talentosos, desviam-se para atribuições de rotina ou simplesmente deixam passar o tempo. Esse nefasto aspecto da condição humana é favorecido e estimulado pela vitaliciedade, pela estabilidade. É claro que forças antagônicas a essa tendência, como ambição, auto-estima etc., atuam positivamente. Mas é inquestionável o fato de que a estabilidade é um prejuízo para a atividade de pesquisa, pois, além do mais, frequentemente se associa ao corporativismo. A organização social é, pois, o melhor remédio contra o corporativismo e contra a mediocridade militante, que se tornam irremovíveis, intocáveis, em instituições estatais de pesquisa. Não é de espantar que, em qualquer oportunidade, surjam tentativas retrógradas de aniquilamento das organizações sociais. E o momento é agora, quando um governo ideologicamente propenso à proteção do trabalhador se revela inexperiente, para dizer o menos, inepto nas questões relativas à ciência e à tecnologia. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 71, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Mauro Morelli: Carros blindados e miséria Índice |
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