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Na "encenação", o sangue é de verdade
TÚLIO KAHN
Por que a letalidade policial cresceu com relação a 2005? Creio não ser preciso título de doutor para compreender a especificidade de 2006
EM ARTIGO publicado nesta Folha em 7/2, Paulo de Mesquita
Neto reclama que falta transparência e sobra encenação na Secretaria da Segurança Pública do Estado de
São Paulo. Essa alegada encenação resultou na queda de 57,6% na taxa de
homicídios, 57,4% nos latrocínios,
43,3% na tentativa de homicídio,
42,8% no roubo de veículos, 26,8%
nos estupros, 19,1% no furto de veículos e 12,8% nos roubos outros entre
1999 e 2006. Esses resultados se alcançam com muito suor e seriedade, e
não com pirotecnia.
Com relação especificamente à crítica de falta de transparência nas
ocorrências envolvendo policiais, cabe lembrar que, em dezembro de
2000, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) estabeleceu, pela resolução nš 516, que, mensalmente, seriam
publicadas no "Diário Oficial" as
ocorrências envolvendo mortes e lesões envolvendo policiais como vítimas ou como autores.
O objetivo foi dar "transparência às
ações e aos resultados e garantir, por
parte da população e dos organismos
de defesa da cidadania, fiscalização da
atuação das polícias e de suas corregedorias", bem como dar maior "precisão, clareza e transparência às estatísticas de ocorrências envolvendo policiais". Pioneira, ela serviu de modelo
para outros Estados e para a Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Em São Paulo, é possível acompanhar todo mês, desde 2001, por polícia e por área, todos os casos classificados como resistência seguida de
morte, homicídio doloso e culposo ou
lesão corporal dolosa e culposa cometidos por policiais em serviço ou fora
dele. A publicação traz ainda o número de policiais mortos e feridos e de
procedimentos instaurados pelas polícias -inquéritos, sindicâncias, processos disciplinares- resultantes
desses casos.
Justamente porque a SSP disponibiliza essas informações, foi possível a
Paulo de Mesquita Neto chegar ao número bombástico de 708 pessoas
mortas por policiais em 2006, somando as ocorrências em serviço e em folga, inclusive os homicídios culposos
-acidentes de trânsito, reação a roubos e crimes passionais!
Não por orientação da SSP, parte da
imprensa, por questão de bom senso,
simplesmente optou por divulgar
apenas as ocorrências de resistência
seguida de morte em serviço, por julgar que este, sim, é o dado socialmente relevante.
A soma total, inclusive, beneficiaria
a Secretaria da Segurança Pública,
pois o aumento no ano seria de 51%, e
não de 77%, como foi divulgado. Não
se trata, portanto, de falta de transparência, mas de explicitar os critérios
que cada um está utilizando -e, claramente, a imprensa tem razão.
Também em dezembro de 2000, a
resolução nš 526 criou a Comissão
Especial para Redução da Letalidade
em Ações Envolvendo Policiais, composta por representantes do Gabinete
da Secretaria da Segurança Pública,
da Polícia Militar, da Polícia Civil, da
Superintendência da Polícia Técnico-Científica, da Ouvidoria da Polícia, do
Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo e do Instituto São Paulo contra a Violência.
São atribuições da comissão identificar os fatores que aumentam o risco
de letalidade e propor a adoção de
medidas para a sua redução, bem como o aprimoramento das estruturas
investigativas. Ela tem se reunido regularmente, com a prestimosa colaboração de Paulo de Mesquita Neto.
A
próxima reunião está agendada para
amanhã, com o propósito de analisar
os casos ocorridos em 2006 e as perspectivas para 2007. Curioso que, durante as várias reuniões em que esteve presente, o autor jamais tenha reclamado da falta de transparência.
Por que a letalidade policial cresceu
com relação a 2005? Creio que não é
preciso título de doutor para compreender a especificidade do contexto de 2006, em que os ataques das facções criminosas resultaram em 63
policiais mortos ou feridos, 200 unidades policiais atingidas e 91 residências de policiais atacadas por tiros e
bombas, sem mencionar os 355 ônibus incendiados e os ataques sofridos
por outras instituições, totalizando
986 incidentes.
Mesmo dentro desse contexto atípico, o espantoso não é o aumento
com relação ao ano anterior, mas que,
ainda assim, o número total de mortos em 2006 ficou abaixo do de 2003.
Esse momento atípico é o que obviamente explica o aumento da letalidade simultaneamente à queda da
criminalidade violenta no ano passado, e quem não tem discernimento
para apontar isso está fadado a produzir análises baseadas em ideologias e
no senso comum.
TÚLIO KAHN, 41, sociólogo, doutor em ciência política pela USP, é coordenador de Análise de Planejamento da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. Foi
diretor do Departamento Nacional de Segurança Pública
do Ministério da Justiça (2002/2003). É autor, entre outras obras, de "Nova e Velha Polícia".
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