São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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FALSA SOLUÇÃO

O caso Waldomiro Diniz recolocou a reforma política no topo da agenda parlamentar. A cada novo escândalo que tenha alguma conexão com problemas de doações irregulares para campanhas eleitorais, políticos do grupo atingido se apressam em culpar as instituições e em defender a criação de novas regras, como o financiamento público, no âmbito de uma ampla reforma política. Todavia, por inevitavelmente contrariar interesses organizados, é pouco provável que ocorra um rearranjo político significativo, especialmente em um ano eleitoral.
Ainda que claramente justa e desejável, a correção das representações dos Estados segundo seu peso demográfico, por exemplo, dificilmente seria aprovada. A tendência é que São Paulo continue sub-representado na Câmara, enquanto pequenas unidades, como Roraima e Amapá, mantenham sua voz desproporcionalmente amplificada.
Um pouco diferente é o caso específico do financiamento público de campanhas. Suas chances de aprovação são menos remotas. Para sermos rigorosos, o financiamento público já existe, na forma de horário eleitoral destinado aos partidos e de incentivos fiscais aos que contribuam com candidatos. O que se discute no Parlamento, na verdade, é a ampliação dos fundos públicos a serem usados em campanhas políticas.
Esta Folha não vê com bons olhos a introdução de um financiamento público mais expressivo. Em primeiro lugar, é ilusão acreditar que ele bastaria para acabar com as relações duvidosas que se estabelecem entre grandes doadores e políticos. Embora o projeto em discussão preveja o fim das contribuições privadas, isso dificilmente ocorrerá. O problema nunca esteve nas doações legais, registradas, mas sim naquelas que vão diretamente do caixa dois de empresas para o caixa dois de campanhas. E esse gênero de movimentação, provavelmente, pouco seria atingido pela nova legislação.
Também está sendo discutida uma importante alteração na forma de escolha eleitoral. A fim de equacionar o problema da distribuição dos fundos dentro dos partidos, pretende-se estabelecer o sistema de listas fechadas. O eleitor não votaria mais em candidatos, mas na legenda. Cada agremiação elaboraria uma lista ordenada de nomes, que se tornariam deputados segundo o desempenho do partido nas urnas.
Há aí um evidente cerceamento da liberdade de escolha do eleitor acompanhado de um igualmente claro fortalecimento das burocracias partidárias, que acabariam definindo a posição que cada candidato ocuparia nas listas. A tendência é que os desafetos da cúpula fiquem em lugares inferiores, enquanto seus amigos, ainda que eleitoralmente pouco densos, ocupem colocações superiores.
Quanto a isso, portanto, a reforma em discussão no Congresso é duplamente ruim. Aumenta os gastos públicos com o processo eleitoral, sem de fato fechar as portas para a corrupção, e ainda reduz o papel do eleitor na escolha de seus representantes. Faria bem o Parlamento se rapidamente incluísse essas propostas no arquivo dos projetos esquecidos.



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