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TENDÊNCIAS/DEBATES
O projeto da recessão perpétua
MARCELO O. DANTAS
O Estado brasileiro tornou-se um instrumento de extração de excedente dos agentes produtivos e transferência dessa riqueza aos rentistas
MAIS UMA reunião do Copom.
Novamente os juros nominais caem menos que o esperado. Descontada a inflação, o Brasil
continua a ostentar o título de campeão mundial da rentabilidade improdutiva. Enquanto países como
México e África do Sul operam com
taxas reais inferiores a 3%, nossas autoridades monetárias sustentam estarmos no melhor dos mundos possíveis com uma taxa de 8,6%. Dias mais
tarde, os jornais noticiam que a produção industrial caiu e os lucros dos
bancos bateram recordes. A conclusão é inevitável. O Brasil se tornou um
país de rentistas. Quem ainda recorda
os ensinamentos do velho Keynes sabe a arapuca em que nos metemos.
A origem do mal está no longínquo
ano de 1981. Por quase cinco décadas,
o Brasil crescera rápido, operando
com taxas de juros reais negativas.
Ganhava-se dinheiro com trabalho e
investimentos produtivos. O Brasil
era um país mais avançado que a Coréia do Sul. Fazia-se muita bobagem
também. Gastava-se a rodo no serviço
público, tomava-se dívida sem pensar
no amanhã e ainda havia os megalômanos que torravam bilhões em projetos como o acordo nuclear.
Acabamos surpreendidos pela segunda crise do petróleo, seguida de
uma radical elevação dos juros internacionais. Foi o fim da festa.
Diante da aceleração inflacionária,
o então ministro do Planejamento
abandonou suas políticas heterodoxas e rendeu-se ao monetarismo. A
elevação da taxa de juros e a contração da base monetária foram assinaladas como principais instrumentos
de combate à inflação. De imediato, o
país caiu numa aguda recessão.
Na esperança de justificar o estrago, as autoridades monetárias "juraram" que o amargo remédio seria
aplicado apenas no curto prazo, de
modo a promover o necessário ajuste
na economia. Não foi o que aconteceu. À exceção da desastrada experiência do Plano Cruzado, os últimos
26 anos estiveram marcados por sucessivas renovações das mesmas promessas ortodoxas.
Mesmo após a estabilização da
moeda, o curto prazo monetarista
(rebatizado "neoliberal") se eternizou. Nenhuma política mais ousada
de reformas estruturais, racionalização da máquina estatal e incentivo da
produtividade foi tentada.
FHC teve a chance, mas preferiu
assegurar sua reeleição. Acabou surpreendido por uma sucessão de crises
internacionais. A taxa de juros manteve-se na estratosfera, os recursos
arrecadados com a venda das estatais
foram "privatizados" e o espetáculo
do crescimento frustrou-se.
Em lugar de reverem suas políticas,
os economistas oficiais concluíram
que a solução estava em doses ainda
mais amargas de ortodoxia. Surgiu a
idéia dos superávits primários, que
durariam só três anos e não ultrapassariam a marca dos 3% do PIB. Mais
uma vez, não foi o que aconteceu.
Os mecanismos da estagnação parecem implantados no inconsciente
dos tecnocratas. Quando a demanda
se aquece e a inflação ameaça subir,
imediatamente os juros disparam,
sem guardar relação com o processo
natural de negociação da dívida pública. Do mesmo modo, ao menor sinal
de agitação dos mercados, os juros sobem para salvar a pátria. Como resultado, o câmbio se valoriza, o crescimento cai e a economia vai se ajustando a um equilíbrio-com-desemprego.
O mais interessante é que os juros
sobem com rapidez mercurial. Sua
queda, no entanto, responde aos ritmos do tempo geológico. Como resultado, a parte do leão de tudo o que se
extorque do contribuinte é imediatamente repassada aos agentes financeiros. O Estado brasileiro, com seu
fisco voraz e a bola de neve da dívida
pública, tornou-se um instrumento
de extração de excedente dos agentes
produtivos e transferência dessa riqueza para as camadas rentistas. Tal
como nos tempos de Tiradentes, vivemos numa permanente derrama.
Após 26 anos de políticas ortodoxas, nos deparamos com seu legado
devastador: a queda brutal do investimento produtivo e o apequenamento
do mercado interno.
O Brasil sucateou sua infra-estrutura, vandalizou a indústria e, em lugar de expandir a classe média, tratou
de extirpá-la. Acabou ficando para
trás e inviabilizando seu próprio crescimento. Quando o mundo inteiro
avança, nos arrastamos na rabeira.
Quando o mundo se retrai, mergulhamos na depressão. Não fosse pela pujança do setor agrário, teríamos virado um país africano.
Curiosamente, nossas elites continuam a defender esse arranjo irracional. Por quê? Porque se tornaram
rentistas e dependem dos juros elevados para preservarem sua riqueza e
status social. Somos hoje prisioneiros
do que Kant talvez chamasse de um
projeto da recessão perpétua.
MARCELO OTÁVIO DANTAS LOURES DA COSTA, 43,
formado em ciências econômicas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é escritor, roteirista e diplomata de carreira. É chefe da Divisão de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores.
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