São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2007

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Volta o risco da transposição

JOÃO ALVES FILHO

Os assessores técnicos estariam enganando Lula sobre o projeto ou o próprio presidente estaria iludindo a população do Nordeste?

O RELATÓRIO do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), da Organização das Nações Unidas, elaborado recentemente por mais de 2.500 cientistas de mais de 130 países, apontou, mês passado, as graves adversidades climáticas decorrentes do aquecimento global provocado pelo efeito estufa. As maiores vítimas serão as populações das regiões litorâneas, com o aumento do nível dos mares em função do derretimento das geleiras, e as populações das regiões áridas e semi-áridas do planeta, sendo a morte de rios perenes uma das mais graves conseqüências.
A propósito, é irrespondível a advertência feita recentemente por José Marengo, renomado pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e coordenador do estudo que prevê o impacto do aquecimento global no Brasil. Referindo-se ao projeto da transposição do rio São Francisco, ele afirmou: "Fazer uma obra desse tipo sem considerar as futuras mudanças climáticas é perigoso, pois parte da água pode desaparecer com o aumento da temperatura e com a redução da água".
Ignorando todas essas evidências sobre o cataclismo ambiental que se avizinha para todos nós e, especialmente, para a região Nordeste semi-árida, o presidente Lula se propõe a executar o projeto da transposição do São Francisco, apesar de saber das soluções muito mais baratas e eficazes para resolver o problema da água no Nordeste setentrional.
Sendo objetivo, vejamos uma análise comparativa entre duas propostas: o projeto da transposição e uma proposta técnica alternativa.
1) Projeto da transposição. Custo: R$ 4,5 bilhões a R$ 6 bilhões. População-alvo: exclusivamente a que fica no semi-árido dos cinco Estados do Nordeste setentrional, de aproximadamente 8 milhões. População realmente beneficiada com água na porta: 1 milhão de pessoas. Vazão contínua mínima: 26 m3/s, suficiente para abastecer 20 milhões de pessoas. Vazão real dos canais: 127 m3/s, suficientes para abastecer 100 milhões de pessoas, i.e., 12 vezes a população realmente visada.
Tanto mais grave é o custo oculto: a distribuição de água, que envolverá custos adicionais inviáveis, estimados em R$ 16 bilhões a R$ 20 bilhões. Se canal em si fosse a solução para resolver o abastecimento de água, os habitantes de cinco Estados ribeirinhos há séculos já teriam água em suas casas, mas lhes falta sistema de distribuição de água. A conclusão é que não é o abastecimento de água das comunidades do Nordeste setentrional que se objetiva atender. A população, de fato, está sendo ludibriada por uma propaganda enganosa do governo federal.
Quem são, afinal, os verdadeiros alvos do projeto? Primeiro, os grandes empreiteiros e, claro, seus apaniguados, além dos projetos de irrigação, cuja água, levada a 600 km, precisará ser subsidiada pelos contribuintes. O gravíssimo risco é a provável morte do rio São Francisco, que já está na UTI.
2) Proposta alternativa. Custo: R$ 3,5 bilhões. População-alvo: 100% da população do semi-árido dos dez Estados nordestinos (cerca de 12 milhões), incluindo, além da população do Nordeste setentrional, a dos cinco Estados ribeirinhos -a água será entregue na porta de cada casa. Pela simplicidade de suas obras, seus benefícios serão imediatos. As obras, inclusive, serão realizadas por pequenas empresas locais. O risco ambiental é zero.
Por fim, para não ser acusado de leviano pelos áulicos palacianos, proponho-me a debater, da mesma forma que o fiz várias vezes com o ex-ministro Ciro Gomes, ante os conselheiros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ou diante dos ministros do TCU (Tribunal de Contas da União), as propostas aqui elencadas com qualquer um dos ministros do atual governo.
A grande questão que se coloca aqui é quem engana quem: os assessores técnicos estariam enganando o presidente da República sobre o projeto ou o próprio presidente Lula estaria iludindo a população do Nordeste -no que prefiro não acreditar. Essa é uma questão meramente semântica, pois, qualquer que seja a resposta, as grandes vítimas serão os nordestinos. Apenas uma coincidência: a obra ficaria pronta no fim do governo Lula, ano de eleições presidenciais...


JOÃO ALVES FILHO, 65, é engenheiro civil. Foi governador de Sergipe por três mandatos (1983-87, 1990-94 e 2003-2006) e ministro do Interior (1987-1990).

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