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Volta o risco da transposição
JOÃO ALVES FILHO
Os assessores técnicos estariam enganando Lula sobre o projeto ou o próprio presidente estaria iludindo
a população do Nordeste?
O RELATÓRIO do IPCC (Painel
Intergovernamental sobre
Mudança Climática), da Organização das Nações Unidas, elaborado recentemente por mais de 2.500
cientistas de mais de 130 países,
apontou, mês passado, as graves adversidades climáticas decorrentes do
aquecimento global provocado pelo
efeito estufa. As maiores vítimas serão as populações das regiões litorâneas, com o aumento do nível dos mares em função do derretimento das
geleiras, e as populações das regiões
áridas e semi-áridas do planeta, sendo
a morte de rios perenes uma das mais
graves conseqüências.
A propósito, é irrespondível a advertência feita recentemente por José Marengo, renomado pesquisador
do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e coordenador do
estudo que prevê o impacto do aquecimento global no Brasil. Referindo-se ao projeto da transposição do rio
São Francisco, ele afirmou: "Fazer
uma obra desse tipo sem considerar
as futuras mudanças climáticas é perigoso, pois parte da água pode desaparecer com o aumento da temperatura e com a redução da água".
Ignorando todas essas evidências
sobre o cataclismo ambiental que se
avizinha para todos nós e, especialmente, para a região Nordeste semi-árida, o presidente Lula se propõe a
executar o projeto da transposição do
São Francisco, apesar de saber das soluções muito mais baratas e eficazes
para resolver o problema da água no
Nordeste setentrional.
Sendo objetivo, vejamos uma análise comparativa entre duas propostas:
o projeto da transposição e uma proposta técnica alternativa.
1) Projeto da transposição.
Custo: R$ 4,5 bilhões a R$ 6 bilhões.
População-alvo: exclusivamente a
que fica no semi-árido dos cinco Estados do Nordeste setentrional, de
aproximadamente 8 milhões. População realmente beneficiada com água
na porta: 1 milhão de pessoas. Vazão
contínua mínima: 26 m3/s, suficiente
para abastecer 20 milhões de pessoas. Vazão real dos canais: 127 m3/s,
suficientes para abastecer 100 milhões de pessoas, i.e., 12 vezes a população realmente visada.
Tanto mais grave é o custo oculto: a
distribuição de água, que envolverá
custos adicionais inviáveis, estimados em R$ 16 bilhões a R$ 20 bilhões.
Se canal em si fosse a solução para resolver o abastecimento de água, os
habitantes de cinco Estados ribeirinhos há séculos já teriam água em
suas casas, mas lhes falta sistema de
distribuição de água. A conclusão é
que não é o abastecimento de água
das comunidades do Nordeste setentrional que se objetiva atender. A população, de fato, está sendo ludibriada por uma propaganda enganosa do
governo federal.
Quem são, afinal, os verdadeiros alvos do projeto? Primeiro, os grandes
empreiteiros e, claro, seus apaniguados, além dos projetos de irrigação,
cuja água, levada a 600 km, precisará
ser subsidiada pelos contribuintes.
O gravíssimo risco é a provável
morte do rio São Francisco, que já está na UTI.
2) Proposta alternativa.
Custo: R$ 3,5 bilhões. População-alvo: 100% da população do semi-árido dos dez Estados nordestinos (cerca de 12 milhões), incluindo, além da
população do Nordeste setentrional,
a dos cinco Estados ribeirinhos -a
água será entregue na porta de cada
casa. Pela simplicidade de suas obras,
seus benefícios serão imediatos. As
obras, inclusive, serão realizadas por
pequenas empresas locais. O risco
ambiental é zero.
Por fim, para não ser acusado de leviano pelos áulicos palacianos, proponho-me a debater, da mesma forma que o fiz várias vezes com o ex-ministro Ciro Gomes, ante os conselheiros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ou diante dos ministros
do TCU (Tribunal de Contas da
União), as propostas aqui elencadas
com qualquer um dos ministros do
atual governo.
A grande questão que se coloca
aqui é quem engana quem: os assessores técnicos estariam enganando o
presidente da República sobre o projeto ou o próprio presidente Lula estaria iludindo a população do Nordeste -no que prefiro não acreditar.
Essa é uma questão meramente semântica, pois, qualquer que seja a
resposta, as grandes vítimas serão os
nordestinos. Apenas uma coincidência: a obra ficaria pronta no fim do governo Lula, ano de eleições presidenciais...
JOÃO ALVES FILHO, 65, é engenheiro civil. Foi governador de Sergipe por três mandatos (1983-87, 1990-94 e 2003-2006) e ministro do Interior (1987-1990).
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