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Criação de municípios: um debate inadiável
WLADIMIR ANTÓNIO RIBEIRO
É necessário corrigir o critério irracional de distribuição do Fundo de Participação dos Municípios e desincentivar a criação de cidades inviáveis
NO BRASIL, há muitos municípios que não possuem condições econômicas e técnicas de
executar as competências para eles
previstas na Constituição. Esse problema não é fruto apenas da enorme
desigualdade social e regional brasileira, mas também da forma desordenada em que foram criados muitos
municípios.Tal criação não criteriosa
deu-se principalmente nos períodos
imediatamente seguintes às Constituições Federais de 1946 e de 1988,
como conseqüência dos processos de
redemocratização.
Após 1988, esse processo foi interrompido em razão da emenda constitucional 15, de 1996, que outorgou a
lei complementar federal o papel de
fixar os períodos em que se permitirá
a criação de municípios e, ainda, os requisitos que deverão atender os estudos de viabilidade municipal.
Essa lei
complementar não foi editada até hoje, pelo que, desde 1996, se tornou juridicamente impossível a criação de
novos municípios.
Mas houve exceções, como os casos
dos municípios de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, ou de Santo Antônio do Leste, em Mato Grosso. Apesar
de as leis estaduais que os criaram
violarem a emenda 15, o Supremo Tribunal Federal tem optado por mantê-los, em nome da proteção à segurança
jurídica, uma vez que a criação de tais
municípios é "situação consolidada".
Tais decisões do STF colocam a nu
que o Legislativo federal está inadimplente, uma vez que não cumpriu o
seu dever de editar a lei complementar prevista pela emenda 15.
Importante se dizer que o mal não é
a criação de novos municípios, medida que, em determinadas situações,
pode ser tida como legítima e até necessária. Isso porque o problema reside na criação de municípios inviáveis,
que possam vir a se tornar mais um
problema do que uma solução. E a
principal razão para a criação de municípios inviáveis está nos critérios de
distribuição do Fundo de Participação dos Municípios.
Veja-se: os municípios têm direito à
23,5% do arrecadado em Imposto de
Renda e em Imposto sobre Produtos
Industrializados, que formam o Fundo de Participação dos Municípios,
mas o critério de distribuição entre os
municípios é o de que recebem cota
igual municípios com população igual
ou inferior a 10.188 habitantes.
Ora, isso incentiva os pequenos
municípios a se dividirem. Um município de 10 mil habitantes que se desmembre em dois leva a que seu âmbito populacional tenha duplicados os
recursos que lhe são destinados pelo
Fundo de Participação dos Municípios, em prejuízo das cotas de todos
os demais municípios do Estado, que
passam a dividir o fundo com mais
um município.
É nesse ponto que está o equívoco.
É necessário se corrigir esse critério
irracional de distribuição de recursos
e, assim, desincentivar a criação de
municípios inviáveis.
Esse é mais um daqueles problemas
que vêm se agravando por conta de
não se aplicar a solução que é conhecida há décadas. Já no distante ano de
1956, há mais de meio século, durante
a gestão do presidente Juscelino Kubitschek, o então ministro da Justiça,
dr. Nereu Ramos, organizou uma comissão especial de juristas para proceder a estudos de reforma constitucional, na qual se destacaram San Tiago Dantas e o professor Brochado da
Rocha. Um dos resultados desse estudo foi emenda constitucional que
propunha que "os municípios que se
criarem só dez anos depois de instalados terão direito a participar da distribuição" de recursos do Imposto de
Renda, hoje substituído pelo Fundo
de Participação dos Municípios.
Em suma: o problema e a solução
são conhecidos há mais de 50 anos.
Com isso, essa oportunidade de elaboração da lei complementar federal
pode ser a que permita que a solução
seja aplicada: que o chamado "município-mãe" e o município criado compartilhem a mesma cota do Fundo de
Participação dos Municípios por dez
anos, preservando-se, assim, por este
período, a participação dos demais
municípios no fundo.
É uma solução simples, que não impede que, onde for preciso, sejam
criados municípios, mas que desencorajará os que desejam criar municípios inviáveis, seja por interesses subalternos, seja apenas para aumentarem a participação na cota do Fundo
de Participação dos Municípios.
WLADIMIR ANTÓNIO RIBEIRO, advogado, mestre em
ciências jurídico-políticas pela Universidade de Coimbra, é
consultor do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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