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CARLOS HEITOR CONY
O papa e a camisinha
RIO DE JANEIRO - Durante muitos e muitos anos, o Aleijadinho era desdenhado pelas cultas gentes. Tratava-se de um ignorante, que fazia
leões com corpo de cachorro e cara de
macaco. Em 1902, um crítico de artes
plásticas austríaco viu a estátua do
profeta Daniel em Congonhas do
Campo e ficou horrorizado. Registrou em seu diário: "Só um povo imbecilizado pela sífilis e pela malária
consentiria que tal monstruosidade
ficasse ao lado do profeta Daniel".
Aleijadinho nunca havia visto um
leão, no tempo dele não havia fotografia, cinema, TV e internet. Imaginava-o como um cachorro com cara
de macaco, animais que ele conhecia.
Na realidade, era um ignorante. Mas
um ignorante de gênio, isso existe
mesmo, a história está cheia deles,
embora a recíproca seja verdadeira:
muitos gênios são idiotas de pai e
mãe.
O papa que ontem foi enterrado era
contra a camisinha, um remanescente da Idade Média. Se em vez de papa
fosse escultor, seria pior do que Aleijadinho, faria leões com corpo de baleia e focinho de jacaré.
Para alguns católicos biônicos, e
para a maioria dos indiferentes em
matéria de religião, João Paulo 2º está sendo supervalorizado pela sífilis e
pela malária de idiotas espalhados
em todo o mundo. Quem condena a
camisinha, o aborto e o casamento de
homossexuais merece o desprezo dos
tempos modernos e das mentes esclarecidas.
Se camisinha, aborto e casamento
de homossexuais são fundamentais e
excludentes para se avaliar quem
quer que seja, eu posso me considerar
um iluminado, não sabia que estava
beirando os subúrbios da genialidade: sou a favor da camisinha, do
aborto em certos casos e, não do casamento, mas da união civil dos homossexuais.
Mesmo assim, ao contrário do crítico austríaco que desprezou o Aleijadinho, acho que João Paulo 2º, apesar dos leões com cara de macaco, ficará na história como um dos momentos mais importantes produzidos
pela humanidade.
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