São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

O papa e a camisinha

RIO DE JANEIRO - Durante muitos e muitos anos, o Aleijadinho era desdenhado pelas cultas gentes. Tratava-se de um ignorante, que fazia leões com corpo de cachorro e cara de macaco. Em 1902, um crítico de artes plásticas austríaco viu a estátua do profeta Daniel em Congonhas do Campo e ficou horrorizado. Registrou em seu diário: "Só um povo imbecilizado pela sífilis e pela malária consentiria que tal monstruosidade ficasse ao lado do profeta Daniel".
Aleijadinho nunca havia visto um leão, no tempo dele não havia fotografia, cinema, TV e internet. Imaginava-o como um cachorro com cara de macaco, animais que ele conhecia. Na realidade, era um ignorante. Mas um ignorante de gênio, isso existe mesmo, a história está cheia deles, embora a recíproca seja verdadeira: muitos gênios são idiotas de pai e mãe.
O papa que ontem foi enterrado era contra a camisinha, um remanescente da Idade Média. Se em vez de papa fosse escultor, seria pior do que Aleijadinho, faria leões com corpo de baleia e focinho de jacaré.
Para alguns católicos biônicos, e para a maioria dos indiferentes em matéria de religião, João Paulo 2º está sendo supervalorizado pela sífilis e pela malária de idiotas espalhados em todo o mundo. Quem condena a camisinha, o aborto e o casamento de homossexuais merece o desprezo dos tempos modernos e das mentes esclarecidas.
Se camisinha, aborto e casamento de homossexuais são fundamentais e excludentes para se avaliar quem quer que seja, eu posso me considerar um iluminado, não sabia que estava beirando os subúrbios da genialidade: sou a favor da camisinha, do aborto em certos casos e, não do casamento, mas da união civil dos homossexuais.
Mesmo assim, ao contrário do crítico austríaco que desprezou o Aleijadinho, acho que João Paulo 2º, apesar dos leões com cara de macaco, ficará na história como um dos momentos mais importantes produzidos pela humanidade.


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