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DEMÉTRIO MAGNOLI
Ministério da Classificação Racial
"Você vai responder que eu
sou amarelinha, né pai?" Foi
essa a reação de minha filha ao ver o
formulário enviado pelo MEC a todas
as escolas do país solicitando a declaração nominal de "cor/raça" de cada
um dos seus alunos. Às vésperas de
comemorar o nono aniversário, ela
não "aprendeu" a escolher a resposta
"certa" entre as cinco opções apresentadas (branca, preta, parda, amarela e
indígena). Tarso Genro, investido na
função de ministro da Classificação
Racial, está empenhado em suprir a
lacuna de aprendizado: a partir de
agora, por sua decisão, as escolas ficam obrigadas a incluir nas fichas de
matrícula a informação sobre "cor/raça" dos alunos. Essa informação associará a cada nome uma "raça" e não
está sujeita à regra do sigilo estatístico
que cerca as pesquisas do IBGE.
"Eu sou amarelinha, né pai?" A resposta "certa" exige a competência de
sublimar a percepção sensorial, substituindo-a pelos critérios classificatórios abstratos inventados pelo "racismo científico" do século 19. O "racismo científico" serviu como instrumento de justificação do imperialismo europeu na África e na Ásia, contornando o princípio iluminista de
que os seres humanos nascem livres e
iguais. A genética desmoralizou o "racismo científico", provando que a espécie humana não se divide em raças.
Para preencher o formulário do ministro da Classificação Racial, os pais
devem ignorar a ciência e eleger o preconceito como guia.
"Eu sou amarelinha?" A noção de
que a humanidade se divide em raças
ou etnias não é um fato objetivo da
cultura ou um mito imemorial inscrito na história dos povos, mas uma
construção política relativamente recente. Engajados no empreendimento
do nacionalismo ou da expansão imperial, os Estados fabricaram identidades raciais e étnicas por meio de
classificações oficiais que definiram o
lugar de cada grupo perante as instituições públicas. As novas fichas de
matrícula escolar no Brasil atualizam
essa tradição, envolvendo-a no manto
roto das políticas sociais compensatórias. Elas irrigam as mudinhas da árvore envenenada do ódio racial.
"Você vai responder que eu sou
amarelinha, né pai?" Os professores e
os pais esclarecidos ensinam às crianças que as pessoas se distinguem por
seu caráter, não pelo tom da pele, o
formato do rosto ou o desenho dos
olhos. Nas aulas de biologia, as crianças aprendem a reconhecer a inconsistência científica do "racismo científico" do século 19. Nas aulas de história e geografia, elas descobrem as funções políticas desempenhadas pelo racismo e aprendem a desprezar as operações estatais de engenharia racial.
Mas o ministro da Classificação Racial, usando o poder burocrático do
aparelho de Estado, resolveu invadir
todas as escolas do país e ministrar sua
própria aula. Tarso Genro, esse herdeiro inesperado do pensamento social racista de Nina Rodrigues (1862-1906) e Oliveira Vianna (1883-1951),
está ensinando as crianças a definirem
suas identidades segundo o critério da
raça. Ele está dizendo às crianças que o
Estado divide os cidadãos em cinco
grupos raciais. Com seus formulários
e fichas de matrícula, está explicando à
minha filha que ela não é amarelinha,
rosadinha ou marronzinha. Que é
branca, como seus "irmãos de raça". E
que seus outros colegas formam irmandades diferentes, pois são pretos,
pardos, amarelos ou indígenas. Todos
iguais, talvez. Mas separados.
Demétrio Magnoli escreve nesta coluna às
quintas-feiras
@ - magnoli@ajato.com.br
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