|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Armação de
Bin Laden
Da sofrida Semana Santa dos
meus tempos de infância, a figura
que nítida permanece na minha memória, como uma fotografia que não
envelhece, é a de Verônica, encarnada
pela professora Maria Elvira, cujas lágrimas e lamentos cantados nos comoviam até juntarmos ao seu sofrimento o nosso, chorando também.
Eram símbolos construídos pela
igreja ao longo dos séculos e que espalhados pelo mundo tinham atravessado tempos e mares, transformados
em costumes nas pequenas cidades,
que na sua pobreza construíam de coisas simples, fazendas roxas e flores
quaresmais o ambiente de tristeza que
coroava as celebrações da crucificação. As procissões do Bom Jesus da
Cana Verde, do encontro, do Calvário,
eram cercadas do silêncio das rezas
que expressavam a fé que conjurava o
pecado.
Às três horas da Sexta-Feira da Paixão íamos beijar os pés do Senhor
Morto, colocar uma moeda e retirar
outra que seria guardada para repetir
no ano seguinte o mesmo gesto. Em
casa, era tudo contrição e jejum. Só de
peixes eram formadas nossas refeições. A cidade de São Bento, pequenina e bela, à beira de campos e lagos,
cobria suas telhas e o céu de um incenso sombrio.
Depois, o Sábado de Aleluia, os sinos
badalando em alegria e festa, Judas,
esse mesmo que agora vem construir
uma história diferente, era malhado e
destruído para mostrar nosso repúdio
à traição de que se tornou estigma. Podem descobrir todos os pergaminhos
do mundo, mas eu jamais o perdôo,
porque seria destruir a minha infância
e os próprios valores da vida.
Sempre gosto de repetir são Paulo,
quando resumiu o cristianismo com
uma sentença radical: "Sem ressurreição não há cristianismo". O Domingo
da Ressurreição já me faz avançar no
tempo e leva-me ao Colégio Maristas,
onde eu aprendi a aprender tudo o
que pude saber na vida, os alunos enfileirados na nave da igreja, os sinos
rompendo em aleluias e todos nós arrancávamos o roxo dos altares e anunciávamos a ressurreição: "Prostai-vos
ó mortais / viva aos céus eternais / celebrai o Rei da Glória. / Cantai, cantai,
cantai a vitória!".
Avançando no tempo, saíamos da
faculdade para assistir ao espetáculo
da Paixão de Cristo, levado em sessões
contínuas no Teatro Arthur Azevedo
de São Luís, para rir da caricatura em
que um grupo teatral transformava a
Sagrada Paixão. E aí vinha o Rubem
Damasceno e fazia o seu "caco", no
papel de Cristo, já pregado (amarrado) à cruz: e o centurião lhe colocava
na boca o hissope de algodão, embebido em cachaça, em vez de vinagre, e o
Cristo pedia ao seu algoz "mais vinagre, mais vinagre".
Depois, pelos caminhos do mundo,
beijando os pés do Senhor Morto em
Póvoa do Varzim, de onde saíra minha tetravó para o Brasil em meados
do século 19. Em Santiago de Compostela, na sua monumental catedral,
passando a noite em vigília, na bênção
do fogo e da água, exorcizando o demônio e assistindo às procissões dos
encapuçados.
Eu tive um mestre, Rubem Almeida,
que em plena Academia Maranhense
de Letras denunciou: "Estou muito
velho para acreditar em chantagem.
Essa história do homem na Lua é
mentira. Tudo arranjo dos americanos num deserto do Texas".
Eu, também, nesta Sexta-Feira da
Paixão, venho denunciar a farsa de
um tal Evangelho de Judas. É mentira,
tudo armado por Bin Laden, num ato
de terrorismo contra os cristãos.
Não perdôo Judas nunca. Estou
muito velho para deixar escapar aquele safado traidor.
Pau nele!
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Lula Futebol Clube Próximo Texto: Frases
Índice
|